O DISCURSO DE RAMSAY em 1738
“Senhores,
O
nobre entusiasmo que vocês demonstraram para ingressar na antiga e mui ilustre
Ordem dos francomaçons é uma prova evidente de que já possuem todas as
qualidades necessárias para tornarem-se membros. Estas qualidades são: a
filantropia prudente, a moral pura, o segredo inviolável e o gosto pelas belas
artes.
Licurgo,
Sólon, Numa e todos os outros legisladores políticos não conseguiram que suas
instituições fossem duradouras, pois por mais sábias que tivessem sido suas
leis, elas não puderam se estender a todos os países e nem se adaptar aos
gostos, génios e interesses de todas as nações. Na realidade, não se baseavam
na filantropia. O mal entendido amor pela pátria, levado ao excesso, destruía
frequentemente o amor pela humanidade em geral em todas estas repúblicas
guerreiras. Os homens, fundamentalmente, não se diferenciam pelas línguas que
falam, pelas roupas que vestem, pelos países em que vivem ou pelas dignidades
com que estão revestidos. O mundo inteiro nada mais é do que uma grande
república, na qual cada nação é uma família e cada indivíduo é uma criança.
Nossa
Sociedade se estabeleceu para fazer reviver e para propagar as antigas máximas
que foram tomadas da natureza do ser humano. Queremos reunir todos os homens de
mente preclara e de humor agradável não só mediante ao amor pelas belas artes,
mas também pelos grandes princípios da virtude. Neles, o interesse pela
confraria deve ser o mesmo que se tem por todo o género humano, para que
através deles todas as nações possam obter conhecimentos sólidos e os
habitantes dos mais diferentes reinos possam cooperar sem ciúme, viver sem
discórdia e se amar mutuamente sem renunciar à suas pátrias.
Nossos
ancestrais, os Cruzados, vindos de todas as partes da cristandade e reunidos na
Terra Santa, quiseram desta forma agrupar os habitantes de todas as nações em
uma só fraternidade. Foram estes homens superiores que, sem interesses vulgares
e sem escutar o desejo natural de dominar, imaginaram uma instituição cujo
único propósito seria unir as mentes e os corações com o propósito de torná-los
melhores. E, sem ir contra os deveres exigidos pelos mais diferentes Estados,
formarem através dos tempos uma nação espiritual na qual será criado um novo
povo que, ao ter características de muitas nações, cimentará, por assim dizer,
todas com os vínculos da virtude e da ciência.
A
moral pura é o segundo requisito de nossa Sociedade. As Ordens Religiosas se
estabeleceram para que os homens pudessem se tornar cristãos perfeitos, as
Ordens Militares para inspirar o amor pela glória nobre e a Ordem dos
francomaçons se estabeleceu para formar homens amáveis, bons cidadãos e bons
patriotas, invioláveis em suas promessas, fiéis adoradores de Deus e da
amizade, e mais amantes da virtude do que das vantagens.
Polliciti
servare fidem, sanctumque vereri
Numen amicito,
mores, non munera amare.
(Tendo feito uma promessa, manter a fé, o
respeito ao sagrado
nome da
amizade, e preferir um bom carácter do que a riqueza.)
No
entanto, não nos limitamos a virtudes puramente civis. Temos entre nós três
categorias de irmãos: Iniciantes ou Aprendizes, Companheiros ou Professos e
Mestres ou Perfeitos. Aos primeiros ensinamos as virtudes morais e
filantrópicas, aos segundos as virtudes heróicas, aos últimos as virtudes
sobre-humanas e divinas. É por isso que nossa instituição incorpora toda a
filosofia dos sentimentos e toda a teologia do coração. É por esta razão que um
de nossos veneráveis irmãos, em uma ode cheia de entusiasmo nobre, disse:
Francomaçons,
Ilustre Grão Mestre
Recebam meus
primeiros arrebates
Os fez nascer
em meu coração a Ordem
Feliz! Sim,
esforços nobres
Fazem-me a
estima vossa merecer
Ao verdadeiro
sublime ascender
A verdade
primeira
A essência
pura e divina
Da origem da
alma celeste
Fonte de vida
e clareza.
Sabendo que uma filosofia severa, solitária,
triste e misantrópica priva aos homens o gosto pelas virtudes, nossos
ancestrais, os Cruzados, quiseram torná-la agradável com o atractivo dos
prazeres inocentes, músicas agradáveis, alegria pura e moderada. Nossos
sentimentos não são o que o mundo profano e os vulgos ignorantes imaginam.
Todos os vícios do coração e do espírito são banidos, assim como a irreligião,
a libertinagem, a descrença e a selvajaria. É com este espírito que um de
nossos poetas disse:
Seguimos hoje
trilhas pouco percorridas
Esforçamo-nos
para construir e todas nossas construções
Ou são
masmorras aos vícios
Ou templos às
virtudes.
Nossos banquetes se assemelham aos virtuosos
banquetes de Horácio nos quais se podia falar de tudo que iluminava o espírito,
perfeicionava o coração e inspirava o gosto pelo verdadeiro, pelo bom e pelo
belo:
O noctes
coenaeque Deum…
Sermo oritur
non de regnis domibusve alenis;
… sed quod
magis ad nos
Pertinet, et
nescire malum est, agitamos; utrumne
Divitiis homines,
na sint virtute beati;
Quidve ad
amicitias usus rectumve trahat nos
Et quae sit
natura boni, summumque quis ejus.
(Oh! Noites e
ceias dos deuses…
A conversa
começa, não sobre os reinos ou casas de outros homens;
…mas o que nos
interessa mais
E isso não é
para se saber, nós discutimos:
Se os homens
são felizes pela riqueza ou pela virtude;
Ou o que os
atrai para a amizade: utilidade? Ou rectidão?
E o que é a
natureza do bem, e qual seu maior objectivo.)
Aqui
o amor por todos os desejos é fortificado. Eliminamos de nossas Lojas toda
disputa que poderia perturbar a tranquilidade de espírito, a mansidão dos
costumes, os sentimentos de amizade e a harmonia perfeita que somente são
encontradas na eliminação de todos os excessos indevidos e de todas as paixões
discordantes.
Portanto,
as obrigações impostas pela Ordem são: proteger os irmãos através da
argumentação, esclarecê-los através de seus conhecimentos, edificá-los com as
virtudes que vocês possuem, socorrê-los em suas necessidades, sacrificar todo o
ressentimento pessoal e buscar tudo o que pode contribuir com a paz, a
concórdia e a união da sociedade.
Possuímos
segredos: são sinais figurativos e palavras sagradas que constituem uma
linguagem às vezes muda e às vezes muito eloquente, com a finalidade de
transmitir e reconhecer a nossos irmãos a grandes distâncias sem importar seu
idioma ou país. Eram, aparentemente, palavras de guerra que os Cruzados
trocavam para se protegerem das surpresas dos Sarracenos, que muitas vezes se
infiltravam disfarçados para traí-los e assassiná-los. Estes sinais e estas
palavras nos relembram algum aspecto de nossa ciência, alguma virtude moral ou
algum mistério da fé.
Ocorreu
connosco o que mui dificilmente sucedeu com outra Sociedade.
Nossas
Lojas foram constituídas e se difundem hoje em todas as nações civilizadas e,
no entanto, apesar de toda a multidão de membros, nunca nenhum irmão traiu
nossos segredos. As pessoas mais frívolas, as mais indiscretas e as menos
instruídas a guardar silêncio, aprendem esta grande ciência assim que entram em
nossa Sociedade, tão grande é o poder que a ideia de união fraterna tem sobre os
espíritos! Este segredo inviolável contribui de forma poderosa para vincular os
habitantes de todos os países e tornar fácil e mútua a comunicação das boas acções.
Encontramos muitos exemplos disso nos anais de nossa Ordem: nossos irmãos que
viajavam a diferentes países da Europa, ao se encontraram em necessidade,
deram-se a conhecer a nossas Lojas e em seguida foram supridos com toda a ajuda
necessária. Mesmo na época das guerras mais sangrentas, alguns ilustres
prisioneiros encontraram irmãos onde acreditavam que encontrariam nada além de
inimigos.
Se
alguém quebra as promessas solenes que nos ligam, vocês sabem Senhores, que as
maiores penas são o remorso da consciência, a vergonha por sua perfídia e a
exclusão de nossa Sociedade segundo as belas palavras de Horácio:
Est et fideli
tuta silentio
Merces; vetabo
qui Cereris sacrum
Vulgarit
arcanae, sub isdem
Sit trabibus,
fragilemve mecum
Solvat
phaselum…
(É o silêncio
fiel uma recompensa garantida;
Mas para
aquele que divulga os ritos da misteriosa Céres,
Proíbo-o de
viver debaixo de meu telhado,
Ou de embarcar
comigo num frágil bote.)
Sim
senhores, as famosas festas de Céres em Eleusis, das quais fala Horácio, assim
como as de Ísis no Egito, de Minerva em Atenas, de Urânia entre os Fenícios e
de Diana em Scythia foram relacionadas às nossas solenidades. Nestas festas se
celebravam mistérios nos quais se encontravam muitos vestígios da antiga
religião de Noé e de seus patriarcas. Em seguida essas festas se encerravam com
banquetes e libações, porém sem os excessos, as selvajarias e a intemperança em
que pouco a pouco caíram os pagãos. Admitir pessoas de ambos os sexos nas
assembleias nocturnas, opondo-se assim a primitiva instituição, foi a causa de
todas as infâmias. É para evitar abusos semelhantes que as mulheres não participam
de nossa Ordem. Não é por sermos injustos e considerarmos o sexo feminino como
incapaz de manter um segredo, mas é que suas presenças poderiam alterar
ligeiramente a pureza de nossas máximas e de nossos costumes:
Se o sexo é
banido, não há alarde
Não é um
insulto à sua fidelidade
Mas tememos
que, ao entrar o amor com seus encantos
Provoque o
esquecimento da fraternidade
Os nomes Irmão
e Amigo seriam armas fracas
Para proteger
o coração contra a rivalidade.
A
quarta qualidade requerida para o ingresso em nossa Ordem é o gosto pelas
ciências úteis e pelas artes liberais de todos os géneros. Assim, a Ordem exige
de cada um de vocês que contribuam para com sua protecção, sua liberalidade ou
seu trabalho numa grande obra na qual nenhuma Academia ou Universidade seriam
suficientes, porque todas as sociedades particulares, ao estarem compostas por
uma quantidade muito pequena de homens, não podem almejar com seu trabalho um objectivo
tão imenso.
Todos
os Grandes Mestres da Alemanha, Inglaterra, Itália e de toda a Europa exortam a
todos os eruditos e artistas da confraria a unirem-se com o fim de prover a
documentação para um Dicionário Universal de todas as artes liberais e de todas
as ciências úteis, com a única excepção da teologia e da política. Este
trabalho já foi começado em Londres, porém com a união de nossos irmãos
poder-se-á levar esta obra à perfeição em poucos anos. Nela se explicará não só
os vocábulos técnicos e sua etimologia, mas também apresentará a história da
ciência e da arte, seus grandes princípios e a maneira de trabalhar com eles.
Deste modo, reunir-se-ão as mentes de todas as nações em um trabalho único, que
será como um depósito geral e uma biblioteca universal de todo o belo, o
grande, o brilhante, o sólido e o útil que existem em todas as ciências
naturais e em todas as artes nobres. Esta obra aumentará em cada século, à
medida que aumentem os conhecimentos. É assim que se difundirá uma nobre
emulação pelas belas letras e pelas belas artes por toda a Europa.
O
nome Francomaçons não deve, portanto, ser tomado no sentido literal, vulgar e
material, como se nossos instrutores tivessem sido simples trabalhadores da
pedra ou do mármore, ou simplesmente génios curiosos que queriam aperfeiçoar as
artes. Não só eram hábeis arquitectos que queriam consagrar seus talentos e
seus recursos para a construção de templos exteriores, mas também eram
príncipes religiosos e guerreiros que queriam iluminar, edificar e proteger os
templos vivos do Altíssimo. É o que darei a conhecer a vocês a seguir, com o
desenrolar da origem e da história da Ordem.
Toda
família, toda república e todo império cuja origem se perde na noite dos
tempos, tem sua fábula e tem sua verdade, sua lenda e sua história, sua ficção
e sua realidade. Alguns consideram que nossa instituição remonta ao tempo de
Salomão, de Moisés, dos patriarcas, e atém mesmo do próprio Noé. Outros afirmam
que nosso fundador foi Enoch, o neto de Adão que construiu a primeira cidade e
deu a ela o seu nome. Mencionei brevemente esta origem fabulosa antes de chegar
a nossa história verdadeira. É nesse contexto, portanto, de acordo com o que
pode ser encontrado nos mui antigos anais da história da Grã-Bretanha, nas actas
do Parlamento da Inglaterra, que muitas vezes falam sobre nossos privilégios,
onde se diz que na tradição viva da nação britânica é que, desde o século XI,
tem sido o centro e a sede de nossa irmandade.
Desde
a época das guerras santas na Palestina, muitos príncipes, senhores e cidadãos
se uniram, fizeram voto de restabelecer os templos cristãos na Terra Santa e,
por meio de um juramento, se comprometeram a empregar seus talentos e seus bens
para devolver à arquitectura a sua constituição original. Adaptaram de comum
acordo vários sinais antigos, palavras simbólicas tomadas do fundo da religião,
para diferenciarem-se dos infiéis e se reconhecerem entre os Sarracenos. Estes
sinais e estas palavras só eram comunicados aos que prometiam solenemente,
muitas vezes até mesmo aos pés do altar, jamais revelá-los. Esta promessa
sagrada já não era então um juramento execrável, como se conta, mas um vínculo
respeitável para unir os homens de todas as nações em uma mesma fraternidade.
Tempos depois, nossa Ordem se uniu intimamente com os cavaleiros de São João de
Jerusalém. Desde então, nossas Lojas tomaram o nome de Lojas de São João em
todos os países. Esta união ocorreu em imitação aos israelitas que, quando
construíram o segundo templo, trabalhavam com uma mão na espátula e na
argamassa, e a outra na espada e no escudo (Esdras, Cap 4, v. 16).
Logo,
nossa Ordem não deve ser considerada uma renovação dos bacanais e uma fonte de
desperdício excessivo, de libertinagem desenfreada e de intemperança
ultrajante, mas sim uma Ordem moral, instituída pelos nossos ancestrais na
Terra Santa para fazer recordar as verdades mais sublimes, através dos prazeres
inocentes da Sociedade.
Os
reis, príncipes e senhores, voltado da Palestina para seus países, fundaram
diversas Lojas. Desde a época das últimas cruzadas já se observa a fundação de
muitas delas na Alemanha, Itália, Espanha, França e daí na Escócia, devido à
íntima aliança que então existia entre estas duas nações.
O
senhor James Stuart da Escócia foi Grão Mestre de uma Loja que foi criada em
Kilwinning, no oeste escocês, no ano de 1286, pouco tempo depois da morte do
rei Alexandre III da Escócia, e um ano antes de John Balliol subir ao trono.
Este senhor escocês iniciou em sua Loja os condes de Gloucester e de Ulster,
senhores ingleses e irlandeses.
Pouco
a pouco, nossas Lojas, nossas festas e solenidades foram negligenciadas na
maioria dos países em que foram estabelecidas. Esta é a razão do silêncio dos
historiadores de quase todos os reinos em relação à nossa Ordem, com excepção
dos historiadores da Grã-Bretanha. Entretanto, tudo foi conservado em todo seu
esplendor entre os escoceses, a quem nossos reis confiaram durante muitos
séculos a custódia de suas sagradas pessoas. Depois dos deploráveis reveses das
cruzadas, da decadência do exército cristão e do triunfo de Bendocdar Sultão do
Egipto, durante a oitava e última cruzada, o filho de Henrique III da
Inglaterra, o grande príncipe Eduardo, vendo que já não havia mais segurança
para seus irmãos na Terra Santa, fê-los regressar quando todas as tropas
cristãs se retiraram, e foi assim como essa colónia de irmãos se estabeleceu na
Inglaterra. Como este príncipe estava dotado de todas as qualidades do coração
e do espírito que formam os heróis, ele amou as belas artes, declarou-se protector
de nossa Ordem, outorgou-lhe muitos privilégios e isenções e desde então os
membros dessa confraria tomaram o nome de Francomaçons.
A
partir deste momento a Grã-Bretanha se tornou a sede de nossa ciência, a
conservadora de nossas leis e a depositária de nossos segredos. As fatais
discórdias religiosas que inflamaram e desuniram a Europa no século XVI fizeram
com que nossa Ordem se desviasse da grandeza e nobreza de sua origem.
Alteraram-se, disfarçaram-se e se suprimiram muitos de nossos ritos e costumes
que eram contrários aos preconceitos da época. Foi assim que muitos de nossos
irmãos esqueceram, igual aos antigos judeus, o espírito de nossa lei e apenas
conservaram sua letra e sua aparência exterior. Nosso Grão-Mestre, cujas
qualidades respeitáveis superam o seu nascimento nobre, deseja devolver tudo à
sua constituição inicial, em um país em que a religião e o Estado não podem
nada mais do que favorecer nossas leis.
Das
ilhas britânicas, a antiga ciência começou a migrar para a França novamente,
sob o reinado do mais amável dos reis, cuja humanidade é a alma de todas as
virtudes, com a intervenção de um mentor que realizou tudo de fabuloso que se
tinha imaginado. Neste momento feliz em que o amor pela paz torna-se a virtude
dos heróis, a nação mais espiritual da Europa chegará a ser o centro da Ordem.
Derramará sobre nossas obras, nossos estatutos e nossos costumes, as graças, a
delicadeza e o bom gosto, qualidades essenciais em uma Ordem cuja base é a
sabedoria, a força e a beleza do génio. É em nossas futuras Lojas, como em
escolas públicas, onde os franceses verão, sem precisar viajar, as
características de todas as nações, e será nestas mesmas Lojas onde os
estrangeiros aprenderão pela experiência que a França é a verdadeira pátria de
todos os povos. Patria gentis humanae (Pátria da raça humana).”