sábado, 12 de maio de 2018

O DISCURSO DE RAMSAY em 1738



O DISCURSO DE RAMSAY em 1738

“Senhores,

O nobre entusiasmo que vocês demonstraram para ingressar na antiga e mui ilustre Ordem dos francomaçons é uma prova evidente de que já possuem todas as qualidades necessárias para tornarem-se membros. Estas qualidades são: a filantropia prudente, a moral pura, o segredo inviolável e o gosto pelas belas artes.

Licurgo, Sólon, Numa e todos os outros legisladores políticos não conseguiram que suas instituições fossem duradouras, pois por mais sábias que tivessem sido suas leis, elas não puderam se estender a todos os países e nem se adaptar aos gostos, génios e interesses de todas as nações. Na realidade, não se baseavam na filantropia. O mal entendido amor pela pátria, levado ao excesso, destruía frequentemente o amor pela humanidade em geral em todas estas repúblicas guerreiras. Os homens, fundamentalmente, não se diferenciam pelas línguas que falam, pelas roupas que vestem, pelos países em que vivem ou pelas dignidades com que estão revestidos. O mundo inteiro nada mais é do que uma grande república, na qual cada nação é uma família e cada indivíduo é uma criança.

Nossa Sociedade se estabeleceu para fazer reviver e para propagar as antigas máximas que foram tomadas da natureza do ser humano. Queremos reunir todos os homens de mente preclara e de humor agradável não só mediante ao amor pelas belas artes, mas também pelos grandes princípios da virtude. Neles, o interesse pela confraria deve ser o mesmo que se tem por todo o género humano, para que através deles todas as nações possam obter conhecimentos sólidos e os habitantes dos mais diferentes reinos possam cooperar sem ciúme, viver sem discórdia e se amar mutuamente sem renunciar à suas pátrias.

Nossos ancestrais, os Cruzados, vindos de todas as partes da cristandade e reunidos na Terra Santa, quiseram desta forma agrupar os habitantes de todas as nações em uma só fraternidade. Foram estes homens superiores que, sem interesses vulgares e sem escutar o desejo natural de dominar, imaginaram uma instituição cujo único propósito seria unir as mentes e os corações com o propósito de torná-los melhores. E, sem ir contra os deveres exigidos pelos mais diferentes Estados, formarem através dos tempos uma nação espiritual na qual será criado um novo povo que, ao ter características de muitas nações, cimentará, por assim dizer, todas com os vínculos da virtude e da ciência.

A moral pura é o segundo requisito de nossa Sociedade. As Ordens Religiosas se estabeleceram para que os homens pudessem se tornar cristãos perfeitos, as Ordens Militares para inspirar o amor pela glória nobre e a Ordem dos francomaçons se estabeleceu para formar homens amáveis, bons cidadãos e bons patriotas, invioláveis em suas promessas, fiéis adoradores de Deus e da amizade, e mais amantes da virtude do que das vantagens.

Polliciti servare fidem, sanctumque vereri
Numen amicito, mores, non munera amare.

 (Tendo feito uma promessa, manter a fé, o respeito ao sagrado
nome da amizade, e preferir um bom carácter do que a riqueza.)

No entanto, não nos limitamos a virtudes puramente civis. Temos entre nós três categorias de irmãos: Iniciantes ou Aprendizes, Companheiros ou Professos e Mestres ou Perfeitos. Aos primeiros ensinamos as virtudes morais e filantrópicas, aos segundos as virtudes heróicas, aos últimos as virtudes sobre-humanas e divinas. É por isso que nossa instituição incorpora toda a filosofia dos sentimentos e toda a teologia do coração. É por esta razão que um de nossos veneráveis irmãos, em uma ode cheia de entusiasmo nobre, disse:

Francomaçons, Ilustre Grão Mestre
Recebam meus primeiros arrebates
Os fez nascer em meu coração a Ordem
Feliz! Sim, esforços nobres
Fazem-me a estima vossa merecer
Ao verdadeiro sublime ascender
A verdade primeira
A essência pura e divina
Da origem da alma celeste
Fonte de vida e clareza.

 Sabendo que uma filosofia severa, solitária, triste e misantrópica priva aos homens o gosto pelas virtudes, nossos ancestrais, os Cruzados, quiseram torná-la agradável com o atractivo dos prazeres inocentes, músicas agradáveis, alegria pura e moderada. Nossos sentimentos não são o que o mundo profano e os vulgos ignorantes imaginam. Todos os vícios do coração e do espírito são banidos, assim como a irreligião, a libertinagem, a descrença e a selvajaria. É com este espírito que um de nossos poetas disse:

Seguimos hoje trilhas pouco percorridas
Esforçamo-nos para construir e todas nossas construções
Ou são masmorras aos vícios
Ou templos às virtudes.

 Nossos banquetes se assemelham aos virtuosos banquetes de Horácio nos quais se podia falar de tudo que iluminava o espírito, perfeicionava o coração e inspirava o gosto pelo verdadeiro, pelo bom e pelo belo:

O noctes coenaeque Deum…
Sermo oritur non de regnis domibusve alenis;
… sed quod magis ad nos
Pertinet, et nescire malum est, agitamos; utrumne
Divitiis homines, na sint virtute beati;
Quidve ad amicitias usus rectumve trahat nos
Et quae sit natura boni, summumque quis ejus.

(Oh! Noites e ceias dos deuses…
A conversa começa, não sobre os reinos ou casas de outros homens;
…mas o que nos interessa mais
E isso não é para se saber, nós discutimos:
Se os homens são felizes pela riqueza ou pela virtude;
Ou o que os atrai para a amizade: utilidade? Ou rectidão?
E o que é a natureza do bem, e qual seu maior objectivo.)

Aqui o amor por todos os desejos é fortificado. Eliminamos de nossas Lojas toda disputa que poderia perturbar a tranquilidade de espírito, a mansidão dos costumes, os sentimentos de amizade e a harmonia perfeita que somente são encontradas na eliminação de todos os excessos indevidos e de todas as paixões discordantes.

Portanto, as obrigações impostas pela Ordem são: proteger os irmãos através da argumentação, esclarecê-los através de seus conhecimentos, edificá-los com as virtudes que vocês possuem, socorrê-los em suas necessidades, sacrificar todo o ressentimento pessoal e buscar tudo o que pode contribuir com a paz, a concórdia e a união da sociedade.

Possuímos segredos: são sinais figurativos e palavras sagradas que constituem uma linguagem às vezes muda e às vezes muito eloquente, com a finalidade de transmitir e reconhecer a nossos irmãos a grandes distâncias sem importar seu idioma ou país. Eram, aparentemente, palavras de guerra que os Cruzados trocavam para se protegerem das surpresas dos Sarracenos, que muitas vezes se infiltravam disfarçados para traí-los e assassiná-los. Estes sinais e estas palavras nos relembram algum aspecto de nossa ciência, alguma virtude moral ou algum mistério da fé.

Ocorreu connosco o que mui dificilmente sucedeu com outra Sociedade.

Nossas Lojas foram constituídas e se difundem hoje em todas as nações civilizadas e, no entanto, apesar de toda a multidão de membros, nunca nenhum irmão traiu nossos segredos. As pessoas mais frívolas, as mais indiscretas e as menos instruídas a guardar silêncio, aprendem esta grande ciência assim que entram em nossa Sociedade, tão grande é o poder que a ideia de união fraterna tem sobre os espíritos! Este segredo inviolável contribui de forma poderosa para vincular os habitantes de todos os países e tornar fácil e mútua a comunicação das boas acções. Encontramos muitos exemplos disso nos anais de nossa Ordem: nossos irmãos que viajavam a diferentes países da Europa, ao se encontraram em necessidade, deram-se a conhecer a nossas Lojas e em seguida foram supridos com toda a ajuda necessária. Mesmo na época das guerras mais sangrentas, alguns ilustres prisioneiros encontraram irmãos onde acreditavam que encontrariam nada além de inimigos.

Se alguém quebra as promessas solenes que nos ligam, vocês sabem Senhores, que as maiores penas são o remorso da consciência, a vergonha por sua perfídia e a exclusão de nossa Sociedade segundo as belas palavras de Horácio:

Est et fideli tuta silentio
Merces; vetabo qui Cereris sacrum
Vulgarit arcanae, sub isdem
Sit trabibus, fragilemve mecum
Solvat phaselum…

(É o silêncio fiel uma recompensa garantida;
Mas para aquele que divulga os ritos da misteriosa Céres,
Proíbo-o de viver debaixo de meu telhado,
Ou de embarcar comigo num frágil bote.)

Sim senhores, as famosas festas de Céres em Eleusis, das quais fala Horácio, assim como as de Ísis no Egito, de Minerva em Atenas, de Urânia entre os Fenícios e de Diana em Scythia foram relacionadas às nossas solenidades. Nestas festas se celebravam mistérios nos quais se encontravam muitos vestígios da antiga religião de Noé e de seus patriarcas. Em seguida essas festas se encerravam com banquetes e libações, porém sem os excessos, as selvajarias e a intemperança em que pouco a pouco caíram os pagãos. Admitir pessoas de ambos os sexos nas assembleias nocturnas, opondo-se assim a primitiva instituição, foi a causa de todas as infâmias. É para evitar abusos semelhantes que as mulheres não participam de nossa Ordem. Não é por sermos injustos e considerarmos o sexo feminino como incapaz de manter um segredo, mas é que suas presenças poderiam alterar ligeiramente a pureza de nossas máximas e de nossos costumes:

Se o sexo é banido, não há alarde
Não é um insulto à sua fidelidade
Mas tememos que, ao entrar o amor com seus encantos
Provoque o esquecimento da fraternidade
Os nomes Irmão e Amigo seriam armas fracas
Para proteger o coração contra a rivalidade.

A quarta qualidade requerida para o ingresso em nossa Ordem é o gosto pelas ciências úteis e pelas artes liberais de todos os géneros. Assim, a Ordem exige de cada um de vocês que contribuam para com sua protecção, sua liberalidade ou seu trabalho numa grande obra na qual nenhuma Academia ou Universidade seriam suficientes, porque todas as sociedades particulares, ao estarem compostas por uma quantidade muito pequena de homens, não podem almejar com seu trabalho um objectivo tão imenso.

Todos os Grandes Mestres da Alemanha, Inglaterra, Itália e de toda a Europa exortam a todos os eruditos e artistas da confraria a unirem-se com o fim de prover a documentação para um Dicionário Universal de todas as artes liberais e de todas as ciências úteis, com a única excepção da teologia e da política. Este trabalho já foi começado em Londres, porém com a união de nossos irmãos poder-se-á levar esta obra à perfeição em poucos anos. Nela se explicará não só os vocábulos técnicos e sua etimologia, mas também apresentará a história da ciência e da arte, seus grandes princípios e a maneira de trabalhar com eles. Deste modo, reunir-se-ão as mentes de todas as nações em um trabalho único, que será como um depósito geral e uma biblioteca universal de todo o belo, o grande, o brilhante, o sólido e o útil que existem em todas as ciências naturais e em todas as artes nobres. Esta obra aumentará em cada século, à medida que aumentem os conhecimentos. É assim que se difundirá uma nobre emulação pelas belas letras e pelas belas artes por toda a Europa.

O nome Francomaçons não deve, portanto, ser tomado no sentido literal, vulgar e material, como se nossos instrutores tivessem sido simples trabalhadores da pedra ou do mármore, ou simplesmente génios curiosos que queriam aperfeiçoar as artes. Não só eram hábeis arquitectos que queriam consagrar seus talentos e seus recursos para a construção de templos exteriores, mas também eram príncipes religiosos e guerreiros que queriam iluminar, edificar e proteger os templos vivos do Altíssimo. É o que darei a conhecer a vocês a seguir, com o desenrolar da origem e da história da Ordem.

Toda família, toda república e todo império cuja origem se perde na noite dos tempos, tem sua fábula e tem sua verdade, sua lenda e sua história, sua ficção e sua realidade. Alguns consideram que nossa instituição remonta ao tempo de Salomão, de Moisés, dos patriarcas, e atém mesmo do próprio Noé. Outros afirmam que nosso fundador foi Enoch, o neto de Adão que construiu a primeira cidade e deu a ela o seu nome. Mencionei brevemente esta origem fabulosa antes de chegar a nossa história verdadeira. É nesse contexto, portanto, de acordo com o que pode ser encontrado nos mui antigos anais da história da Grã-Bretanha, nas actas do Parlamento da Inglaterra, que muitas vezes falam sobre nossos privilégios, onde se diz que na tradição viva da nação britânica é que, desde o século XI, tem sido o centro e a sede de nossa irmandade.

Desde a época das guerras santas na Palestina, muitos príncipes, senhores e cidadãos se uniram, fizeram voto de restabelecer os templos cristãos na Terra Santa e, por meio de um juramento, se comprometeram a empregar seus talentos e seus bens para devolver à arquitectura a sua constituição original. Adaptaram de comum acordo vários sinais antigos, palavras simbólicas tomadas do fundo da religião, para diferenciarem-se dos infiéis e se reconhecerem entre os Sarracenos. Estes sinais e estas palavras só eram comunicados aos que prometiam solenemente, muitas vezes até mesmo aos pés do altar, jamais revelá-los. Esta promessa sagrada já não era então um juramento execrável, como se conta, mas um vínculo respeitável para unir os homens de todas as nações em uma mesma fraternidade. Tempos depois, nossa Ordem se uniu intimamente com os cavaleiros de São João de Jerusalém. Desde então, nossas Lojas tomaram o nome de Lojas de São João em todos os países. Esta união ocorreu em imitação aos israelitas que, quando construíram o segundo templo, trabalhavam com uma mão na espátula e na argamassa, e a outra na espada e no escudo (Esdras, Cap 4, v. 16).

Logo, nossa Ordem não deve ser considerada uma renovação dos bacanais e uma fonte de desperdício excessivo, de libertinagem desenfreada e de intemperança ultrajante, mas sim uma Ordem moral, instituída pelos nossos ancestrais na Terra Santa para fazer recordar as verdades mais sublimes, através dos prazeres inocentes da Sociedade.

Os reis, príncipes e senhores, voltado da Palestina para seus países, fundaram diversas Lojas. Desde a época das últimas cruzadas já se observa a fundação de muitas delas na Alemanha, Itália, Espanha, França e daí na Escócia, devido à íntima aliança que então existia entre estas duas nações.

O senhor James Stuart da Escócia foi Grão Mestre de uma Loja que foi criada em Kilwinning, no oeste escocês, no ano de 1286, pouco tempo depois da morte do rei Alexandre III da Escócia, e um ano antes de John Balliol subir ao trono. Este senhor escocês iniciou em sua Loja os condes de Gloucester e de Ulster, senhores ingleses e irlandeses.

Pouco a pouco, nossas Lojas, nossas festas e solenidades foram negligenciadas na maioria dos países em que foram estabelecidas. Esta é a razão do silêncio dos historiadores de quase todos os reinos em relação à nossa Ordem, com excepção dos historiadores da Grã-Bretanha. Entretanto, tudo foi conservado em todo seu esplendor entre os escoceses, a quem nossos reis confiaram durante muitos séculos a custódia de suas sagradas pessoas. Depois dos deploráveis reveses das cruzadas, da decadência do exército cristão e do triunfo de Bendocdar Sultão do Egipto, durante a oitava e última cruzada, o filho de Henrique III da Inglaterra, o grande príncipe Eduardo, vendo que já não havia mais segurança para seus irmãos na Terra Santa, fê-los regressar quando todas as tropas cristãs se retiraram, e foi assim como essa colónia de irmãos se estabeleceu na Inglaterra. Como este príncipe estava dotado de todas as qualidades do coração e do espírito que formam os heróis, ele amou as belas artes, declarou-se protector de nossa Ordem, outorgou-lhe muitos privilégios e isenções e desde então os membros dessa confraria tomaram o nome de Francomaçons.

A partir deste momento a Grã-Bretanha se tornou a sede de nossa ciência, a conservadora de nossas leis e a depositária de nossos segredos. As fatais discórdias religiosas que inflamaram e desuniram a Europa no século XVI fizeram com que nossa Ordem se desviasse da grandeza e nobreza de sua origem. Alteraram-se, disfarçaram-se e se suprimiram muitos de nossos ritos e costumes que eram contrários aos preconceitos da época. Foi assim que muitos de nossos irmãos esqueceram, igual aos antigos judeus, o espírito de nossa lei e apenas conservaram sua letra e sua aparência exterior. Nosso Grão-Mestre, cujas qualidades respeitáveis superam o seu nascimento nobre, deseja devolver tudo à sua constituição inicial, em um país em que a religião e o Estado não podem nada mais do que favorecer nossas leis.


Das ilhas britânicas, a antiga ciência começou a migrar para a França novamente, sob o reinado do mais amável dos reis, cuja humanidade é a alma de todas as virtudes, com a intervenção de um mentor que realizou tudo de fabuloso que se tinha imaginado. Neste momento feliz em que o amor pela paz torna-se a virtude dos heróis, a nação mais espiritual da Europa chegará a ser o centro da Ordem. Derramará sobre nossas obras, nossos estatutos e nossos costumes, as graças, a delicadeza e o bom gosto, qualidades essenciais em uma Ordem cuja base é a sabedoria, a força e a beleza do génio. É em nossas futuras Lojas, como em escolas públicas, onde os franceses verão, sem precisar viajar, as características de todas as nações, e será nestas mesmas Lojas onde os estrangeiros aprenderão pela experiência que a França é a verdadeira pátria de todos os povos. Patria gentis humanae (Pátria da raça humana).”

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