domingo, 18 de fevereiro de 2018

A CONSTRUÇÃO EM BRACARA AUGUSTA




A CONSTRUÇÃO EM BRACARA AUGUSTA
O processo construtivo no quotidiano de uma cidade: os agentes e os artesãos
Jorge Manuel Pinto Ribeiro
Maria Manuela Martins
Resumo: Os construtores e artesãos de Bracara Augusta assumiram um papel importante na economia da cidade. Formam um grupo de indivíduos complexo e diversificado, frequentemente invisíveis nas fontes escritas, cuja atividade recuperamos através da Arqueologia. A cidade conheceu, desde muito cedo, e ao longo da sua história, um protagonismo crescente, caracterizado por importantes funções administrativas e religiosas. Este crescimento político gradual foi acompanhado de uma significativa e permanente actividade construtiva, cuja análise nos transporta ao universo da economia, do mundo social do trabalho, da inovação e das modas.
Neste artigo, procuraremos identificar os vários ofícios que estão por detrás desse dinamismo, frequentemente denunciados pelas estruturas e materiais que produziram, apreciaram e/ou adquiriram.

A construção em Bracara Augusta
1. Introdução
Bracara Augusta foi ao longo da época romana e tardo antiga uma cidade dinâmica, praticamente com obras constantes. O nosso propósito é de interrogar as fontes arqueológicas no sentido de identificar os agentes e artesãos responsáveis pela sua construção, chamando a atenção para a sua importância na economia e no quotidiano da cidade. A construção deve ter envolvido um grande número de pessoas, provavelmente organizadas em collegia, dedicadas à produção dos diversos materiais destinados à execução ou manutenção dos edifícios.
Este dinamismo construtivo mantém-se no Baixo Império, onde se destaca a construção da muralha defensiva, mas igualmente remodelações importantes nos grandes edifícios públicos e nas domus da cidade, facto que deveremos relacionar com a promoção de Bracara Augusta a capital da nova província da Gallaecia.
2. O estatuto do artesão na Antiguidade
Os trabalhadores da Antiguidade, frequentemente desprezados pelos textos clássicos, deixaram-nos alguns testemunhos, na primeira pessoa, que revelam o seu orgulho pelo sucesso conquistado através do trabalho. Assim o faz Nonius Datus (MOREL, 2011, p. 202), librator de Saldae, que relata detalhadamente, num cipo (LASSÈRE; GRIFFE, 1997), a sua proeza técnica na correcção do traçado de um aqueduto no norte de África: “[...] quasi reliquendus habebatur [...] ut lucidius meus
circa duc(tum) hoc Saldense pareret [...]”
A temática dos trabalhadores da Antiguidade, tradicionalmente pouco investigada, tem beneficiado nos últimos anos de várias contribuições que chamam a atenção para o papel que estes assumiam na sociedade. Sabemos que os agentes construtivos organizavam-se frequentemente em collegia de artesãos, associações profissionais plurifuncionais (TRAN, 2007, p. 597), identificadas em vários pontos do Império. A este propósito, em Braga conhece-se uma inscrição da época de Cláudio, dedicada a Caius Caetronius Miccio, pelos cidadãos romanos que negociavam em Bracara Augusta (MARTINS et al, 2012, p. 46). Esta inscrição, relacionada com a actividade comercial, é duplamente importante, porque para além de informar sobre a dimensão da cidade como “mercado”, sugere ainda a existência desses collegia.
Trata-se assim de um grupo profissional onde figuram indivíduos com estatutos muito variados, a nível social, jurídico e mesmo no próprio trabalho, alguns imensamente ricos, outros muito pobres (TRAN, 2010, p. 195), que exerciam a sua atividade em espaços específicos das cidades. Eram frequentemente discretos, sendo alguns percecionados através da Epigrafia, de alguns textos literários e sobretudo da Arqueologia, por via das suas realizações.
3. As diferentes categorias de agentes construtivos
3.1 Os arquitetos
Na Grécia, o arquiteto não é visto como um criador de formas, mas sim como um técnico, conforme o sugere a etimologia da palavra: architekton=mestre carpinteiro (GROS, 1983, p. 450). Para Vitrúvio exerciam uma profissão de grande exigência, embora com reduzido peso social, e com pouca retribuição final (TAYLOR, 2006, p. 15), representando apenas um dos elementos do processo construtivo, pois o seu nome muitas vezes nem figurava nos textos (GROS, 1983, p. 432). Deviam assim ser capazes de elaborar a planta de um edifício e de dirigir as suas respetivas obras (VOGLER, 2011, p. 192).
A complexidade e o rigor evidenciado por alguns edifícios comprovam a sua presença em Bracara Augusta. Seria o caso dos edifícios que integravam o forum da cidade, denunciados por um conjunto de grandes bases monumentais encontradas nas proximidades do mesmo, do teatro ou ainda do anfiteatro, entre outros.
A avaliar pela correspondência de Plínio com Trajano (DURÁN FUENTES, 2004, p. 138), o arquiteto era uma figura frequente nas províncias. Numa das suas cartas, Plínio, na qualidade de governador da Bitínia, pede o envio de arquitetos ao imperador, o qual responde que recorra aos arquitetos locais, uma vez que não há província que não os tenha.
3.2 Os machinatores
São os agentes responsáveis pelo desenho e pela construção das máquinas usadas para o levantamento de pesos e deslocação de cargas. Estas tinham várias aplicações possíveis, quer em obra, quer nos cais para movimentar mercadorias. As características próprias de determinadas obras, assim como o peso de certos elementos exigiam a utilização dessas máquinas, cujos modelos mais complexos permitiam o levantamento de pesos de cerca de 11 toneladas, como é o caso do exemplar representado no túmulo dos Haterii (BÉRENGER, 2006, p. 519).
Em Braga, a atividade destes agentes é denunciada pelas marcas de preensão documentadas no grande aparelho usado na construção, visíveis em vários edifícios, como nos muros em opus quadratum do teatro.
3.3 Os agrimensores/ gromatici
Arte fundamental na construção e no urbanismo romano, a agrimensura foi praticada desde muito cedo pelos egípcios, que mediam anualmente as propriedades cujos limites tinham sido apagados pelas cheias do Nilo (MARCOTTE, 2005, p. 150). Era sabedoria de técnicos altamente especializados que, no Baixo Império, recebem por vezes o estatuto de clarissimus.
Esta disciplina constitui um dos fundamentos do Império Romano, associada à delimitação das propriedades rurais, daí encontrarmos centuriações tanto na Península Itálica como no norte de África (GUILLAUMIN, 2005, p. 4). Os seus profissionais reuniam-se em corporações, dividindo-se em quatro grandes categorias: os mensores militares, os mensores imperiais, os mensores dos governos locais e os mensores independentes (CHOUQUER; FAVORY, 1993, p. 256).
O traçado dos aquedutos detetados em Braga foi certamente realizado por agrimensores, que frequentemente eram militares. A sua presença é igualmente deduzida através da identificação dos mecanismos que estão associados à planificação da cidade, designadamente a implantação do seu plano ortogonal, cujos eixos se prolongam no território, definindo o cadastro rural (CARVALHO, 2008, p. 418). 3.4 Os redemptores, structores e outros fabri.
Nesta categoria, englobamos um conjunto de indivíduos, cuja atividade está diretamente envolvida na construção da obra: os redemptores, os structores e todo um conjunto de fabri.
Os redemptores designam os construtores, frequentemente adjudicatários de obras públicas, mas que também assumem obras privadas. Quando necessário formam sociedades, publicani, para concorrer às mesmas. A colaboração com os poderes públicos era frequentemente um meio de enriquecimento e de aumento de prestígio social. Frontino, na sua obra sobre os aquedutos de Roma, indica que os serviços das águas atribuem alguns trabalhos a redemptores (SALIOU, 2012, p. 17). O túmulo de Quintus Haterius Tychichus, situado na Península itálica, revela um desses empreiteiros, que certamente prosperou com a sua atividade, participando na construção de edifícios públicos sob os Flávios, nomeadamente vários arcos de triunfo, o coliseu e um templo (BÉRENGER, 2006, p. 518).
Os structores eram pedreiros associados à construção em alvenaria e ao pequeno aparelho, podendo eventualmente erguer muros em tijolo. Talhavam as pedras, levantavam os muros com argamassa e realizavam o acabamento das juntas.
Por vezes, assimilaram-se aos redemptores, surgindo como responsáveis das obras, situação que se verifica no norte de África (TRAN, 2008, p. 329), onde a Epigrafia  documenta indivíduos que se designam como structores, não sendo explicitamente assinalados como adjudicantes das obras, embora na verdade tivessem esse estatuto.
Tecnicamente inferiores aos canteiros, a sua arte não deixa de exigir uma grande habilidade na escolha do material, na sua colocação e no fabrico da melhor argamassa, elemento chave para aumentar a resistência do aparelho e proporcionar a perpetuitas do conjunto (DESSALES, 2011, p. 44).
O entusiasmo construtivo presente em Bracara Augusta ao longo da sua história exigiu certamente a colaboração de redemptores e de structores, auxiliados por trabalhadores indiferenciados e aprendizes, alguns muito habilidosos, tendo em conta a qualidade dos paramentos preservados e a importância da arquitetura de granito.
É evidente o trabalho de indivíduos conhecedores da matéria-prima local, das suas propriedades e da sua melhor aplicação, saber e experiência acumulados e herdados de tradições mais antigas. Na observação dos muros denotam-se escolhas conscientes, como a colocação específica dos elementos maiores nos embasamentos ou nas zonas mais sensíveis dos paramentos, ou o uso de elementos de tamanho médio nos alçados, de forma a garantir a melhor coesão com a argamassa.
3.5 Os lapidarii
Os canteiros trabalhavam a pedra de forma geométrica, diferentemente dos escultores, que elaboravam os elementos decorativos. O trabalho do grande aparelho pressupõe talhadores muito especializados. Exerciam uma profissão dura e por vezes perigosa. Nas grandes obras da Idade Média, como as catedrais, estes artífices recebiam um salário superior ao dos restantes artesãos e até mesmo um prémio quando as tarefas envolviam subir em andaimes.
Como referimos, a arquitetura de Bracara Augusta é fundamentalmente uma arquitetura de granito, pelo que os trabalhadores da pedra devem ter assumido uma grande importância. Fabricaram os silhares e os elementos em grande aparelho que conferiam imponência e resistência aos grandes edifícios públicos.
Conhecem-se dois canteiros que trabalhariam no território de Bracara Augusta: Reburrinus Lapidarius, referenciado numa inscrição votiva encontrada no concelho de Vizela, datada do século II ou III (REDENTOR, 2011, p. 283) e Marcus Pelcius, associado a uma lápide funerária encontrada no concelho de Viana do Castelo, com cronologia do século I ou II (REDENTOR, 2011, p. 284).
3.6 Os tignarii e pristae
Os carpinteiros de obra construíam os vigamentos dos telhados, mas também os sobrados em madeira, os andaimes e as estruturas provisórias de suporte das abóbadas.
Alguns eram muito especializados, sendo considerados por determinados autores como os verdadeiros heróis anónimos da arquitetura romana (TAYLOR, 2006, p. 187). Alguns pristae, por exemplo, eram exímios no desenho e na armação de cimbres, tarefas que exigiam um conhecimento profundo da tolerância da madeira e dos procedimentos de montagem mais adequados para a construção de arcos ou estruturas abobadadas.
A sua arte seria muito requisitada em Braga, dada a quantidade de telhados e de coberturas em abóbada documentados, bem como devido às grandes necessidades em madeira da construção pública e privada.
3.7 Os scansores
Estes artesãos revestiam os telhados com tegulae e imbrices, o que parece ser norma nas construções bracarenses. A diversidade dos materiais detetados em contexto de escavação parece sugerir o trabalho de uma importante mão-de-obra, possivelmente ligada à produção oleira em geral.
3.8 Os sculptores
Trata-se de um grupo profissional de grande responsabilidade derivada do custo da matéria-prima com que trabalhavam, maior ainda quando se tratava de pedra importada.
Com efeito, um simples erro de talhe podia levar à inutilização de todo o bloco trabalhado (MAR, 2008, p. 183).
Foram detetados em Braga cerca de 350 elementos arquitetónicos, que
representam, naturalmente, apenas uma pequena amostra das obras realizadas.
Algumas peças exibem um trabalho muito elaborado, revelando a participação de artesãos experientes. Na verdade, a realização em granito de elementos pensados para um material mais fácil de trabalhar comprova a existência de uma mão-deobra conhecedora dos modelos clássicos, mas também suficientemente experiente e habilidosa para aplicá-los ao granito.
3.9 Os tesselarii
Os mosaicistas aplicavam tesselas de natureza variada sobre um suporte fresco, criando composições decorativas que ornamentavam os pavimentos. Esta tarefa, longa e delicada, podia implicar a participação de equipas formadas por distintos indivíduos:
·        o calcis coctor, que preparava a cal;
·        o pavimentarius, que preparava o suporte;
·        o pictor imaginarius, que propunha o desenho;
·        o pictor parietarius, que o aplicava no solo ou parede;
·        o musearius, que colocava as peças nas composições mais delicadas;
·        o tesselarius que se encarregava das partes a priori mais simples.
Os mosaicistas raramente assinavam as suas obras mas são identificáveis através das suas produções. Bracara Augusta exibe mosaicos em vários locais, designadamente nas habitações privadas e espaços termais. São composições de vários tipos, revelando, em alguns casos, artistas bastante experientes, que estariam presentes na cidade no Alto Império, mas igualmente nas épocas mais tardias, a avaliar pelos mosaicos que ornamentam os pisos das construções dos séculos III, IV e posteriores.
3.10 Os pictores
Os pintores, frequentemente itinerantes, veiculavam as modas da época, primeiramente apreciadas em Roma e na Península Itálica. Tal como os mosaicistas, não tinham por hábito assinar as suas obras. Em Pompeia, por exemplo, conhece-se apenas uma exceção numa pintura do biclínio da domus de Octavius Quartio, situada no quarteirão do anfiteatro (SAURON, 2011, p. 66), onde se pode ler Lucius pixit. Esta arte era bastante exigente em mão-de-obra, quer para a elaboração dos níveis preparatórios para a pintura a fresco sobre os muros, quer para a preparação das próprias pinturas. No Baixo–Império, seria essencialmente escrava (VOGLER, 2011, p. 193). No que diz respeito às retribuições,  as fontes indicam que os indivíduos que elaboravam as composições eram melhor pagos do que aqueles que as aplicavam nas paredes.
Em Braga sabemos da existência destes artesãos através dos vestígios das suas obras, que funcionavam como uma pele que decorava e protegia as paredes de algumas domus da cidade, bem como de edifícios públicos, como o teatro.
3.11 Os figuli
Os oleiros fabricavam as cerâmicas, mas igualmente as telhas e tijolos tão necessários na construção. Contrariamente aos artistas anteriores, alguns destes trabalhadores são identificáveis por via da sua assinatura nas peças que produziram, ou então pelos seus cognomes, informando sobre a sua atividade, tais como uns indivíduos da gens Licinia que exibem os cognomina imbrex e tegula (MOREL, 2011, p. 209).
A grande quantidade de materiais cerâmicos exumados nas escavações é reveladora da importância desta atividade, que deve ter constituído um dos polos de desenvolvimento da cidade. Algumas marcas poderão estar associadas a fabricantes ou a proprietários de oficinas. É o caso das marcas Camalus e Saturninus, associadas à produção de tegulae, material fácil de fabricar mas delicado de transportar e manipular, dado o seu peso e fragilidade. Publius Domitius, Octavius, Bassus e Lucretius, cujas marcas foram identificadas em lucernas (MORAIS, 2005, p. 366), ou ainda os indivíduos representados pelos genitivos Piri e Sabini e pela abreviatura SIL (MORAIS, 2005, p. 86), podem eventualmente ter fabricado materiais de construção. O seu local de trabalho seria a própria cidade e as cercanias da mesma, conforme o comprovam os quatro fornos descobertos até aos dias de hoje.
 No entanto, parece admissível considerar que o fabrico de tégulas e ímbrices, destinado às coberturas dos telhados, pudesse ocorrer nos estaleiros das obras, tendo em conta o peso destes materiais e os seus elevados custos de transporte.
3.12 Os ferrarii e plumbarii
Os artesãos que dominavam a arte do fogo tinham um papel importante na construção, fabricando a componente metálica das ferramentas, assim como os vários elementos de fixação. Pascale Chardron-Picault (2011, p. 156) descreve o trabalho de equipas com dois ou três homens, em espaços reduzidos, trabalhando na penumbra, de modo a controlar a fusão dos metais, em lojas viradas para a rua. Oficinas maiores e mais exigentes, dependendo de grandes fornos, por exemplo, e bastante mais poluentes, deveriam localizar-se preferencialmente nas periferias dos centros urbanos.
A presença destes artistas em Braga é revelada pela descoberta em vários locais de cadinhos associados ao trabalho do ouro e do bronze. Estes elementos sugerem a presença de oficinas nas proximidades do forum, em contextos datáveis da primeira metade do século I, trabalhando e vivendo em espaços simples, realizados muito provavelmente com materiais perecíveis (MARTINS et al, 2012, p. 45).
No entanto, é presumível que as oficinas metalúrgicas se situassem na periferia da cidade, uma das quais poderá ter tido como proprietário Titus Satrius, cujo nome se encontra identificado, juntamente com o de dois escravos (Agathopous e Zethus), numa estela decorada com ferramentas que parecem estar relacionadas com o trabalho do metal (MARTINS et al, 2012, p. 55).
Estes artesãos colaborariam igualmente no programa decorativo da cidade, designadamente na produção de estatuária, como o comprova uma pata de cavalo em bronze, pertencente a uma monumental estátua equestre, descoberta na domus das Carvalheiras, mas que originalmente deveria estar colocada no forum da cidade.
Os plumbarii trabalhavam o chumbo, fabricando nomeadamente os tubos que constituíam os sifões dos aquedutos ou ainda aqueles que integravam a rede de abastecimento de água das cidades. Esta atividade muito antiga, de grande exigência técnica, encontra-se associada ao labor de artesãos altamente especializados. A produção de fistulae aquariae, por vezes de grande diâmetro, bem como a sua colocação, dado o peso e fragilidade dos elementos, são improváveis sem um domínio desse material. De referir também que, na Antiguidade, não existiam as ferramentas que temos hoje para aquecer e soldar o chumbo. Por outro lado, para além do fabrico dos canos, cabiam a estes artesãos igualmente tarefas de manutenção da rede. Com efeito, estes tubos eram submetidos a pressões de água muito elevadas, podendo levar à sua explosão, pelo que era necessário proceder a frequentes reforços da zona das soldas/ juntas ou mesmo à substituição das peças (VOGLER, 2011, p. 195).
Os plumbarii estão documentados em Braga desde muito cedo, conforme o comprova uma fistula descoberta na zona arqueológica das Carvalheiras (Figura 3), associada à adução de água, necessária ao funcionamento de um balneum, construído no século II, no quadrante noroeste da anterior domus. A peça descoberta exibe uma inscrição que nos remete para o nome do seu fabricante, ou talvez do proprietário da oficina: Titus Flavius Graptus F(ecit). Existiriam assim oficinas dedicadas ao trabalho do chumbo, provavelmente localizadas fora do centro urbano, tendo em conta os espaços que exigiam para armazenar os materiais. Mesmo se a história não reteve o nome de todos eles, se considerarmos a quantidade de espaços termais descobertos em Bracara Augusta, deviam ser muitos os artesãos e os aprendizes associados ao trabalho do chumbo que laboravam na cidade.
3.13 Os metallarii
O termo metallarii designa tanto os trabalhadores das minas como aqueles que operavam nas pedreiras. De qualquer modo, ambos executavam um trabalho árduo e perigoso. Na pedreira eram realizadas várias tarefas, desde a extração dos blocos, o corte da pedra, da responsabilidade dos serrarii, um primeiro desbaste da mesma, ao seu
transporte.
A análise dos granitos que integram os vários edifícios estudados em Bracara Augusta permitiu a individualização de pelo menos cinco variantes desta matéria-prima, o que implicaria a existência de várias pedreiras em atividade, algumas delas em simultâneo, escolhidas de acordo com a variabilidade da sua cor e maior ou menor adequação dos vários tipos de granito às obras. Associada à exploração das pedreiras temos que considerar igualmente uma mão-de-obra importante, que contemplaria certamente numerosos escravos.
3.14 Os vitriarii
Uma publicação recente de Pascal Vipard (2009) indica-nos que os fabricantes de vidros para a construção encontram-se documentados no mundo romano desde o século I. Trata-se de artistas notáveis, que produziam um material nobre, raro e caro, demonstrando mais uma vez o gosto dos romanos pelo desafio técnico. A sua utilização na construção está fortemente ligada à iluminação das salas dos espaços termais, o que era garantido por janelas com caixilharia de vidro, tendo estas sido aplicadas igualmente em alguns edifícios públicos e nas casas mais luxuosas, embora com muito menor frequência.
Estes artesãos estão documentados em Bracara Augusta desde as primeiras décadas de vida da cidade, onde são atestados por diversas oficinas e pelos vidros de janelas recolhidos em algumas escavações, nomeadamente nas termas do Alto da Cividade e nas zonas arqueológicas das Carvalheiras e das Cavalariças. Estes indivíduos trabalhariam em oficinas localizadas na periferia da malha urbana, como na da Casa do Poço (séc. I/II), na zona do Fujacal, na rua de S. Geraldo (estas duas com cronologia mais tardia, entre os séculos III-V, com Mário Cruz a sugerir que poderiam pertencer a um bairro artesanal de produção de vidro, com várias oficinas) ou ainda no antigo quarteirão dos CTT, onde foi identificada uma oficina com dois fornos, que laborou entre os séculos IV e V (MARTINS et al, 2012, p. 55, 60).
3.15 Os Aquarii/ aquae libratores
Estes especialistas eram engenheiros topógrafos, muitas vezes militares, que elaboravam o encaminhamento da água desde as nascentes às cidades. São os artífices da hidráulica, conhecedores da arte de construção dos aquedutos e das fórmulas de cálculo da pendente da água nas condutas. Tal como indica Chantal Vogler (2011, p. 195) “esses cálculos não eram fáceis de realizar, exigindo o recurso à trigonometria e ao teorema de Pitágoras, além de que o zero e a vírgula ainda não tinham sido inventados pelo que era impossível recorrer à álgebra”. Estudos recentes (CHANSON, 2002, p. 43) demonstram que esses indivíduos possuíam conhecimentos hidráulicos muito avançados e que eram capazes de implementar sistemas muito sofisticados, comportando barragens, bacias de regulação e poços de limpeza e arejamento, para além de diversos dispositivos que permitiam conduzir a água às cidades e distribuí-la para diferentes fins.
Desconhecemos os nomes dos engenheiros hidráulicos que trabalharam em Braga.
No entanto os vários aquedutos que abasteceriam a cidade, documentados por referências escritas  bem como pela Arqueologia (MARTINS; RIBEIRO, 2012, p. 16), que evidenciam técnicas distintas e complexas (aquedutos subterrâneos, aquedutos subaéreos, tecnologia
de sifões, bacias de decantação) são prova da sua presença e proeza técnica.
De referir que os revestimentos internos destas construções, em opus signinum hidrófugo, detetados, por exemplo, no aqueduto da colina do Alto da Cividade (MARTINS; RIBEIRO, 2012, p. 20), exigiam capacidades técnicas particulares, apenas realizáveis por trabalhadores habilidosos e conhecedores da arte (CHARDRON-PICAULT, 2011, p. 159).
3.16 Outros agentes
Para além das profissões citadas haverá que considerar toda uma série de indivíduos cuja atividade está de perto ligada ao setor da construção. Entram nessa categoria os vários tipos de transportadores (carpentarii, lenuncularii, raedarii), os madeireiros (tignarii), que  D. Rodrigo da Cunha (1634) refere um aqueduto que abasteceria a cidade romana, captando a água de uma das nascentes do rio Ave. Jerónimo Contador de Argote (1732-34) refere igualmente a existência de aquedutos que abasteciam a cidade romana.
Laboravam nas florestas, mas também, com maior incidência no Baixo Império, uma série de trabalhadores ligados a tarefas de demolição, recuperação e reutilização. Com efeito, alguns dos sítios estudados revelam, à semelhança daquilo que é proposto para outras cidades (CHARDRON-PICAULT, 2011, p. 158), evidências do desenvolvimento da prática de reutilização de elementos em pedra, designadamente arquitetónicos e decorativos, que deve ter levado à formação de um grupo de indivíduos especializados nesse domínio.
3.17 A população dos construtores. Origens e estatutos
Sabe-se hoje que a atividade construtiva englobava cerca de 20% da mão-de-obra urbana e que assumiu um papel marcante na economia do Império (DANIELSDWYER, 2000, p. 22). Em Braga, a população dedicada à atividade da construção seria maioritariamente formada pela população indígena e pelos seus descendentes, com um papel de destaque das elites, que constituiriam os principais encomendadores das obras. Alguns, à semelhança daquilo que parece verificar-se no comércio,  poderão ter enriquecido por essa atividade, atingindo cargos políticos ou religiosos de alguma importância. A Epigrafia bracarense revela uma forte componente indígena na formação do corpo cívico da cidade, alguns deles promovidos à cidadania romana, originários da região de Braga ou de outras cidades da Hispânia, que podem ter estado relacionados com esta atividade económica. Os libertos, alguns públicos, formariam também parte do grupo dos artesãos. Igualmente numerosos seriam os escravos, documentados pela Epigrafia, que laborariam nas várias oficinas e obras, bem como nas pedreiras.
4. Elementos conclusivos
Os trabalhos arqueológicos realizados em Braga nos últimos 40 anos evidenciam, desde a fundação da cidade, a atividade de agentes construtivos e artesãos, alguns dos quais com oficinas instaladas na área urbana ou na sua periferia, herdeiros de tradições mais antigas, que ajudam a divulgar as modas construtivas e os modelos arquitetónicos provenientes de Roma.
De facto, a Arqueologia regista a presença na cidade, em todas as épocas, de uma mão-de-obra qualificada e diversificada, com diferentes graus de especialização, correspondendo naturalmente a desiguais condições de vida e de trabalho. A construção representaria uma das atividades mais dinâmicas da cidade, empregando uma grande parte da população, com picos nas épocas de monumentalização da urbe, designadamente entre a época flávia e antonina, quando são construídas várias termas públicas, o teatro e o anfiteatro, ou no Baixo Império, quando é construída a muralha defensiva e são remodelados vários edifícios públicos e privados. Estamos assim perante uma atividade que teria uma repercussão importante na economia de Bracara Augusta.
Alguns aspetos desta atividade seriam regulamentados pela administração, como a atribuição das obras públicas, através de contratos estabelecidos com os redemptores, ou ainda a produção de materiais de construção, como os tijolos ou os tubos de chumbo. No entanto, grande parte dos trabalhos e especialidades necessárias ao processo construtivo seriam desenvolvidos no âmbito de atividades privadas, cujos moldes de funcionamento nos escapa por completo.
Construtores, artistas e todo um conjunto de artesãos distintos formavam um grupo muito ativo que contribuiu para o desenvolvimento de Bracara Augusta e animava o quotidiano da cidade e do território, pois era dele que chegava grande parte das matérias-primas necessárias para a construção. Quer a presença dos agentes ligados ao
processo construtivo, quer as suas realizações descobertas pela Arqueologia comprovam o poderio económico de Bracara Augusta e de alguns dos seus habitantes.


In: Romanitas – Revista de Estudos Grecolatinos, n. 6, p. 73-87, 2015. ISSN: 2318-9304

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