sábado, 10 de fevereiro de 2018

No Túmulo de Christian Rosenkreutz



No Túmulo de Christian Rosenkreutz
                                                    poema místico de Fernando Pessoa



Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até corpo, essa descida
Até à noite que nos a Alma obstrui,
.
Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida…
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui
.
Deus é o Homem de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,
Foi criado, e a Verdade lhe morreu…
De Além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
Aquém não há no Mundo, Corpo Seu.
.
II
 .
Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.
.
Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.
.
Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;
Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue actual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.
.
III
.
Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.
.
Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.
.
Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?
.
Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,

Nosso Pai Rosacruz conhece e cala.”

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