John
Locke
(Wrington, 29 de agosto de 1632 — Harlow, 28 de
outubro de 1704) foi um filósofo inglês conhecido como o "pai do
liberalismo", sendo considerado o principal representante do empirismo
britânico e um dos principais teóricos do contrato social.
Escola/tradição
- Empirismo britânico, contrato social, direito natural
Principais
interesses - Metafísica, epistemologia, filosofia política, filosofia da mente,
educação
Ideias
notáveis - Tabula rasa; estado natural; direito à vida, liberdade e propriedade
Locke
ficou conhecido como o fundador do empirismo, além de defender a liberdade e a
tolerância religiosa. Como filósofo, pregou a teoria da tábua rasa, segundo a
qual a mente humana era como uma folha em branco, que se preenchia apenas com a
experiência. Essa teoria é uma crítica à doutrina das ideias inatas de Platão,
segundo a qual princípios e noções são inerentes ao conhecimento humano e
existem independentemente da experiência.
Locke
escreveu o Ensaio acerca do Entendimento Humano, onde desenvolve sua teoria
sobre a origem e a natureza do conhecimento.
Um
dos objectivos de Locke é a reafirmação da necessidade do Estado e do contrato
social e outras bases. Opondo-se a Hobbes, Locke acreditava que se tratando de
Estado-natureza, os homens não vivem de forma bárbara ou primitiva. Para ele,
há uma vida pacífica explicada pelo reconhecimento dos homens por serem livres
e iguais.
Biografia
Locke
estudou medicina, ciências naturais e filosofia em Oxford, principalmente as
obras de Bacon e Descartes. Em 1683, refugiou-se nos Países Baixos ao ser
acusado de traição junto ao seu mentor politico o lorde Shaftesbury que era
líder da oposição ao rei Carlos II no parlamento. Voltou à Inglaterra quando
Guilherme de Orange subiu ao trono, em 1688. Em 1689-1690 publicou as suas
primeiras obras: cartas sobre a tolerância, ensaio sobre o entendimento humano,
e os dois tratados sobre o governo civil. Faleceu em 28 de Outubro de 1704, com
72 anos.
Locke
nunca se casou ou teve filhos. Encontra-se sepultado em All Saints Churchyard,
High Laver, Essex na Inglaterra.
Filosofia
política
A
filosofia política de Locke fundamenta-se na noção de governo consentido, pelos
governados, da autoridade constituída e o respeito ao direito natural do ser
humano - à vida, à liberdade e à propriedade. Influencia, portanto, as modernas
revoluções liberais: Revolução Inglesa, Revolução Americana e a fase inicial da
Revolução Francesa, oferecendo-lhes uma justificação da revolução e da forma do
novo governo. Locke costuma ser incluído entre os empiristas britânicos, ao
lado de David Hume e George Berkeley, principalmente por sua obra relativa a
questões epistemológicas. Em ciência política, costuma ser classificado na
escola do direito natural ou jusnaturalismo.
Suas
ideias ajudaram a derrubar o absolutismo na Inglaterra. Locke dizia que todos
os homens, ao nascer, tinham direitos naturais - direito à vida, à liberdade e
à propriedade. Para garantir esses direitos naturais, os homens haviam criado
governos. Se esses governos, contudo, não respeitassem a vida, a liberdade e a
propriedade, o povo tinha o direito de se revoltar contra eles. A falha do
Estado de Natureza levam à tal invasão da propriedade e, devido a tal, cria-se
um contrato social para que haja transição do Estado de Natureza à Sociedade
Política. As pessoas podiam contestar um governo injusto e não eram obrigadas a
aceitar suas decisões. Locke ainda diz que se o governo viola ou deixa de
garantir o direito dos indivíduos à propriedade o povo tem o direito a
resistência ao governo tirano. O que define a tirania é o exercício do poder
para além do direito, visando o interesse e não o bem público ou comum.
Outra
constante na obra de Locke é do papel dos poderes na organização do Estado,
sendo o legislativo o poder supremo, sobrepondo-se ao executivo e federativo.
Assim, há no Estado um poder limitado, pois quando esses órgãos criados pelo
consentimento do povo falha no atendimento dos fins a que foram concebidos
perdem a razão de ser, dando aos cidadãos o direito de revolução. Locke
apresenta ainda o trabalho como o fundamento originário da propriedade, tendo o
seu valor corrompido com a introdução do ouro e do comércio, gerando a
distribuição desproporcional das riquezas entre os homens.
“o
homem vive livre e em paz no seu estado de natureza”
O
contrato social, embora não se trate de um contrato físico histórico, como
acontece com qualquer contrato, consistiria na transferência de poder dos
indivíduos carecidos de protecção para um conjunto de instituições artificiais
e avantajada de meios para punir os que violam a obediência a essas mesmas
instituições. De forma generalizada, o contrato social é a relação entre o povo
e seu governante.
Há
alguns pontos de contacto entre o pensamento lockiano e hobbesiano. Primeiro na
condição natural em que o homem vivia inicialmente e na sua passagem para
organização social através do contrato social. Porém, distingue-se por
caracterizar esse estado natural do homem como pacífico, sendo o homem nele
plenamente livre. Enquanto Hobbes coloca o medo da morte violenta como fonte da
organização dos homens, Locke impõe a defesa da propriedade como principal
fonte de formação do Estado. Esta propriedade já existia anteriormente à
formação do Estado.
Dedicou-se
também à filosofia política. No Primeiro Tratado sobre o Governo Civil, critica
a tradição que afirmava o direito divino dos reis, declarando que a vida
política é uma invenção humana, completamente independente das questões
divinas. No Segundo Tratado sobre o Governo Civil, expõe sua teoria do Estado
liberal e a propriedade privada, onde ele caracteriza a propriedade privada
como tudo a que você atribui um valor e tenha conquistado por direito. É algo
legítimo e todo indivíduo tem direito a tais conquistas, e assim como Locke
sugeriu, o Estado teria uma função primordial de proteger esses direitos.
Para
Bernard Cottret, biógrafo de João Calvino, contrastando com a história trágica
da brutal repressão aos protestantes na França no século XVI e a própria
intolerância e zelo religioso radical de Calvino em Genebra, o nome de John
Locke está intimamente associado à tolerância. Uma tolerância que os franceses
aprenderam a valorizar apenas na década de 1680, quase às portas do Iluminismo.
Como Voltaire afirmou, a tolerância é, para os franceses, um artigo de
importação. Bernard Cottret afirma: A tolerância é o produto de um espaço
geográfico específico, nomeadamente o noroeste da Europa. Ou seja: a Inglaterra
e os Países Baixos. E ela é, no final, em especial, a obra de um homem - John
Locke - a quem o século XVII dedica um culto permanente.
De
entre os escritos políticos, a obra mais influente de Locke foi Dois Tratados
sobre o Governo (1689). O Primeiro Tratado é um ataque ao patriarcalismo, e o
segundo introduz uma teoria da sociedade política ou sociedade civil baseada
nos direitos naturais e no contrato social. Segundo Locke, todos são iguais, e
a cada um deverá ser permitido agir livremente desde que não prejudique nenhum
outro. Com este fundamento, deu continuidade à justificação clássica da
propriedade privada, ao declarar que o mundo natural é a propriedade comum de
todos, mas que qualquer indivíduo pode apropriar-se de uma parte dele, ao
acrescentar seu trabalho aos recursos naturais. Este tratado também introduziu
a chamada "cláusula lockeana ", que resume a teoria da
propriedade-trabalho de John Locke: os indivíduos têm direito de se apropriar
da terra em que trabalham desde que isso não cause prejuízo aos demais. O
direito de se apropriar privadamente de parte da terra comum a todos seria pois
limitado pela consideração de que ainda houvesse bastante [terra] igualmente
boa e mais do que aqueles ainda não providos pudessem usar. Em outras palavras,
que o indivíduo não pode simplesmente apropriar-se dos recursos naturais mas
também tem que considerar o bem comum.
No
âmbito das Relações Internacionais, Locke aponta que estas fazem parte do
estado de natureza, mas isso não quer dizer que há uma falta de legalidade
(deveres e direitos) entre as comunidades políticas no cenário internacional.
Sendo assim, o poder de fazer guerra não é sem restrições, obedecendo às directrizes
da política interna, que trata dos interesses locais dos cidadãos, quanto à Lei
Natural, caracterizada pela garantia da preservação da comunidade civil e da
humanidade.
Epistemologia
Locke
é considerado o protagonista do empirismo, o qual afirma que todo conhecimento
e aprendizagem decorrem da experiência. Ele apresenta uma crítica às ideias
inatas através da teoria da tábula rasa... Com essa teoria Locke afirma que o
ser humano nasce uma “folha em branco” e é moldado pelas experiências,
tentativas e erros.
Então
de acordo com Locke o Empirismo busca compreender as coisas de uma forma metodológica,
sistemática e crítica. Esse pensamento apresentado por Locke se assemelha ao do
pensador Nicolau Maquiavel quando o mesmo se refere a Verità effetuale (Verdade
Efetiva das Coisas), que se trata de analisar as coisas como elas realmente
são.
No
Ensaio acerca do Entendimento Humano (An Essay concerning Human Understanding),
de 1690, Locke defende que a experiência é a fonte do conhecimento, que depois
se desenvolve por esforço da razão. Outra obra filosófica notável é Pensamentos
sobre a Educação, publicado em 1693. As fontes principais do pensamento de
Locke são: o nominalismo escolástico, cujo centro era Oxford; o empirismo
inglês da época; o racionalismo defendido por René Descartes e a filosofia de
Malebranche.
A tolerância
Como
filósofo político, Locke pode ser considerado um precursor da democracia
liberal, dada a importância que atribui à liberdade e à tolerância. O que
estava em jogo era, obviamente, a tolerância religiosa, contra os abusos do
absolutismo. De todo modo, suas ideias fundamentaram as concepções de
democracia moderna e de direitos humanos tal como hoje é expressa nas cartas de
direitos.
Locke,
escrevendo a Carta sobre a Tolerância (1689–1692), devido a repercussão das
guerras religiosas na Europa, formulou um raciocínio clássico para a tolerância
religiosa. Os três principais argumentos eram: (1) Os juízes da terra, o estado
em particular e os seres humanos em geral, não podem avaliar de forma confiável
as afirmações de verdade de pontos de vista religiosos divergentes; (2) Mesmo
que pudessem, aplicar uma única "verdadeira religião" não teria o
efeito desejado, porque a crença não pode ser compelida pela violência; (3) A
coerção da uniformidade religiosa levaria a mais distúrbios sociais do que
permitir a diversidade.
No
que diz respeito à sua posição sobre a tolerância religiosa, Locke foi
influenciado por teólogos baptistas como John Smyth e Thomas Helwys, que havia
publicado obras exigindo a liberdade de consciência no início do século XVII. O
teólogo baptista Roger Williams fundou sua colónia em Rhode Island em 1636, a
qual combinou uma constituição democrática com liberdade religiosa ilimitada.
Sua obra The Bloody Tenent of Persecution for Cause of Conscience (1644), que
foi amplamente lido em seu país natal, foi um apelo apaixonado pela liberdade
religiosa absoluta e a separação total da igreja e do estado. A liberdade de
consciência teve alta prioridade na agenda teológica, filosófica e política,
desde que Martin Luther recusou-se a renegar suas crenças antes da Dieta do
Sacro Império Romano em Worms em 1521, a menos que isso seja provado falso pela
Bíblia.
Entretanto,
para John Locke, essa liberdade não seria aplicável ao "homem
primitivo", pois que os povos ditos primitivos não estariam associados ao
restante da humanidade no uso do dinheiro e poderiam ser equiparados a bestas de
caça ou bestas selvagens, (o que forneceu a base ideológica para a tomada das
terras e o extermínio de populações indígenas) nem aos papistas (católicos, na
expressão dos protestantes), que seriam como "serpentes, dos quais nunca
se conseguiria que abrissem mão de seu veneno com um tratamento gentil".
Ressalte-se
que tal atitude em relação aos indígenas não era verificada em pensadores
anteriores, como Bartolomé de las Casas e Montaigne, que, ao se referir às
populações extra-européias, dizia "Acho que não há nessa nação nada de
bárbaro e de selvagem, pelo que me contaram. A não ser porque cada qual chama
de barbárie aquilo que não é de seu costume".
A
tolerância não se aplicava tampouco às camadas que detinham menos recursos económicos,
para as quais Locke defendia algumas medidas severas, tais como:
1. Direcionar
para o trabalho as crianças a partir de três anos, das famílias que não têm
condições para alimentá-las.
2. Supressão das
vendas de bebidas não estritamente indispensáveis e das tabernas não
necessárias.
3. Obrigar os
mendigos a carregar um distintivo obrigatório, para vigiá-los, por meio de um
corpo de espantadores de mendigos, e impedir que possam exercer sua actividade
fora das áreas e horários permitidos.
4. Os que forem
surpreendidos a pedir esmolas fora de sua própria paróquia e perto de um porto
de mar devem ser embarcados coercitivamente na marinha militar, outros pedintes
abusivos devem ser internados numa casa de trabalhos forçados, na qual o director
não terá outra remuneração além da renda decorrente do trabalho dos internados.
5. Os que
falsificarem um salvo-conduto para fugir de uma casa de trabalho, devem ser
punidos com um corte de orelhas e, na hipótese de reincidência, com a
deportação para as plantações, na condição de criminosos.
A questão da
escravidão
Locke
é considerado pelos seus críticos como sendo "o último grande filósofo que
procura justificar a escravidão absoluta e perpétua".
Locke
sustentava a escravidão pelo contrato de servidão em proveito do vencedor na
guerra, no chamado "estado de guerra", no qual alguém que poderia ser
morto, assume o ónus de servir em troca de viver. No, Segundo Tratado sobre
Governo Civil, Locke diz: "Ele [o homem] não pode separar-se dela [da
liberdade], excepto por aquilo que o faça perder, ao mesmo tempo, sua
preservação e sua vida, pois um homem, não tendo poder sobre sua própria vida,
não pode, por um tratado ou por seu próprio consentimento, escravizar-se a quem
quer que seja, nem sujeitar-se ao domínio arbitrário e absoluto exercido por
outra pessoa, ou mesmo dar cabo de sua vida quando tiver vontade. Ninguém pode
outorgar mais poder do que a própria pessoa possui; e aquele que não pode dar
fim à própria vida, não pode outorgar tal poder a qualquer outra pessoa. Em
verdade, se o homem dá fim à própria vida, por algum acto que clame por morte,
aquele por quem ele perde a vida (no caso da pessoa tê-lo em seu poder) pode
demorar a tirá-la e usá-la em serviço próprio, não o prejudicando por isso;
pois, no momento em que considerar que a provação de ser escravo excede o valor
de sua vida, ao resistir à vontade de seu amo, irá sentir-se atraído a
ocasionar a si mesmo a morte que deseja."
Nessa
citação, Locke argumenta que somente os escravos tomados de uma certa maneira,
por certas pessoas podem ser considerados justamente escravos.
Locke
contribuiu para a configuração da Constituição da Província da Carolina, em que
uma de suas normas constitucionais dizia: "(...) todo homem livre da
Carolina deve ter absoluto poder e autoridade sobre os escravos negros seja
qual for a opinião e religião." Seus críticos ainda afirmam que ele
investiu no tráfico de escravos negros, enquanto accionista da Royal African
Company.
Identidade
pessoal
Locke
acrescentou no capítulo XXVII do Livro II, "Da identidade e
diversidade", a sua visão de identidade e identidade pessoal para a
segunda edição do Ensaio. A sua consideração de identidade pessoal acabou sendo
revolucionária. Seu relato sobre a identidade pessoal está integrada numa
explicação geral de identidade.
Nesta
explicação geral de identidade Locke faz uma distinção entre a identidade do
átomo, de conjunto de átomos e das coisas vivas. Cada átomo individual é o
mesmo no tempo, e permanece mesmo enquanto o tempo passa. Assim, não há nenhum
problema sobre a identidade dos átomos. Massas de átomos são individuadas por
seus átomos constituintes independentemente da forma como eles são organizados.
As coisas vivas, em contraste, são individuadas por sua organização funcional.
Esta organização é instanciada a qualquer momento por um conjunto de átomos.
Mas a organização pode persistir através de mudanças nas partículas que a
compõem - pelo menos uma mudança gradual, que continua com as funções que a
organização desempenha. Claramente a mais importante dessas funções é a
continuação da mesma vida. É a continuação da mesma organização funcional e,
portanto, a mesma vida que é o critério de igualdade para a identidade de ser
vivo, seja ele um carvalho ou um cavalo.
Se
soubéssemos que a alma de um homem estava num dos nossos porcos, seria necessário
que chamemos porco a um homem?
Locke
afirma que o homem é um animal e, portanto, individualizado como outros seres
vivos. Então, homem se refere a um corpo vivo de uma forma particular. Ele
defende a sua própria definição, que envolve a distinção entre
"homem" e "pessoa", usando uma variedade de experiências de
pensamento e deduzir consequências inaceitáveis a partir de definições concorrentes. Ele aponta, por exemplo, que
enquanto aqueles que individualizam o homem exclusivamente em termos de
"posse de uma alma" podem explicar a igualdade do homem, da infância
à velhice, se aceitarem uma doutrina da reencarnação, a sua definição requer
que a mesma alma em diferentes organismos seja o mesmo homem, tanto quando o
homem-criança e homem-velho. Se a doutrina da reencarnação permite que a alma
de um homem para renascer no corpo de um animal, como um porco, se soubéssemos
que a alma de um homem estava num dos nossos porcos, seria necessário que
chamássemos ao porco homem.
Locke
dá-nos exemplos de um papagaio racional falando com uma criatura que tem a
forma de um homem, mas não pode se envolver em um discurso racional como um
experimento mental que demonstra que o discurso racional não é nem uma condição
"necessária ou suficiente" para ser um homem. Se o homem é um corpo
vivo, um animal com um determinada forma, então, pergunta Locke, o que é uma
pessoa? Ele responde sua própria pergunta: Uma pessoa é um ser pensante
inteligente que pode conhecer a si mesmo como a mesma coisa pensante em
diferentes tempos e lugares.
Locke
faz a distinção entre o homem e pessoa. Essa distinção aparentemente resolve o
problema da ressurreição dos mortos. O problema, para Locke, começa com textos
bíblicos afirmando que teremos o mesmo corpo na ressurreição como nós temos
nesta vida. É claro que há problemas com a suposição de que na ressurreição uma
pessoa será a mesma pessoa; e vários estudiosos vem debatendo tal questão, por
exemplo, Robert Boyle, em seu ensaio, "Algumas Considerações físico-teológica
sobre a possibilidade da ressurreição" se aprofunda em alguns desses
enigmas.
Locke
diz que o caso do príncipe e do sapateiro mostra a resolução do problema da
ressurreição.
O
corpo do sapateiro e o do príncipe eram os mesmos, mas quem diria que eram as
mesmas pessoas?
Ele
imagina o que aconteceria se um príncipe passasse a viver como um humilde
sapateiro. Dessa forma interroga-se o que aconteceria se introduzisse as
características mentais do príncipe no corpo de um sapateiro. Supostamente, o
corpo do sapateiro ficaria com a memória, o conhecimento e os atributos
pessoais do príncipe, mas apesar de aparentemente ser um sapateiro, seria
responsável pelas acções do príncipe.
Nesse
exemplo, Locke levanta um questionamento a ser explorado sobre a identidade
pessoal de uma pessoa.
...poderia
caso a alma de um príncipe, levando consigo a consciência da vida passada do
príncipe, entrar e informar o organismo de um sapateiro, tão logo abandonado
por sua própria alma, qualquer um vê que ele seria a mesma pessoa com o
príncipe, responsáveis apenas pelas acções do príncipe: mas quem diria que era
o mesmo homem?
Locke
demonstra que o resultado desta troca, é que o príncipe ainda considerar-se o
príncipe, mesmo que ele se encontra em um corpo totalmente novo. O experimento
distingue entre o conceito de ser humano e de ser pessoa, indicando que o
conceito de um homem em alturas diferentes está ligado ao seu corpo, enquanto
que o conceito de pessoa está ligado à sua consciência passada e presente. A
distinção de Locke entre o "homem" e a "pessoa" torna
possível para a mesma pessoa resida em um corpo diferente na ressurreição e
ainda assim ser a mesma pessoa.
Locke
enfoca no príncipe com todos os seus pensamentos principescos, porque, na sua
opinião, é a consciência que é crucial para uma recompensa e/ou uma punição que
deve ser dispensada no dia do Juízo Final. Neste capítulo sobre identidade
(Parte IV, Secção II e VI), Locke também está fazendo uma distinção entre a
consciência e a alma.
Embora
a distinção entre o homem e a pessoa seja controversa, a distinção de Locke
entre a alma (a substância que pensa em nós) e consciência é ainda mais
radical[nota 4]. Locke afirma que a consciência pode ser transferida de uma
alma para outra, e que a identidade pessoal vai junto com consciência. Na sessão
XII do Capítulo: De Identidade e Diversidade, ele levanta a questão: "...
Se a mesma substância que pensa for mudada, ela pode ser a mesma pessoa, ou ela
permanecendo a mesma, pode ser uma pessoa diferente." Resposta de Locke
para ambos as questões é afirmativa. Ele afirma que a Consciência pode ser
transferida de uma substância que pensa para outra e, assim, enquanto a alma é
alterada, mas a consciência permanece a mesma e, assim, a identidade pessoal
também é preservada através da mudança de uma alma para outra alma. E, por
outro lado, a consciência pode ser perdida como no esquecimento total, enquanto
a substância alma ou pensamento continua o mesmo. Nestas condições, há a mesma
alma, mas uma pessoa diferente.
As
afirmações de Locke resumem-se na alegação de que a mesma alma (ou substância
pensante) não é "necessária" nem é "suficiente" para a
identidade pessoal ao longo do tempo. Os argumentos de Locke são desenvolvidos
por analogia com a organização funcional dos animais, que é preservada através
de mudanças graduais nos átomos que instanciar essa organização a qualquer
momento. Assim, em um determinado momento no tempo deve haver uma alma ou substância
pensante, mas com o tempo não há necessidade que uma pessoa tenha a mesma alma
para preservar a identidade pessoal.
As
distinções ("homem e pessoa" e "alma e consciência")
criadas por Locke tem implicações em julgamentos criminais no modo como pessoas
com insanidade mental são julgadas, uma vez que um ser humano pode ter várias
falhas na sua consciência, sem o estabelecimento de memórias. Deste modo, acções
executadas estando a consciência separada do corpo ou alma, a identidade da
pessoa que efectuou tal acção é posta em causa pelo conceito defendido por
Locke.
Religião
Alguns
académicos têm observado que as convicções políticas de Locke são derivadas de
sua visão religiosa. A trajectória religiosa de Locke inicia-se no calvinismo
trinitaniano, mas com a vez das Reflexões (1695) defendeu não apenas visões
socinianistas mas também a Cristiologia Sociniana, com a crença na
pré-existência de Cristo.
Contudo
Arthur W. Wainwright (Oxford, 1987) notou a interpretação de um versículo bíblico
de Efésios 1 numa edição póstuma de Paráfrase é diferente do que socinianos
como John Bilde, que pode-se levar a crer que Locke possuia uma visão ariana.
Imaterialidade
da alma
Com
sua estimativa dos limites do entendimento humano, Locke fez algumas
reivindicações que surpreenderam seus contemporâneos. No livro IV 3, 6 sugere
que, dada a nossa ignorância das substâncias, era possível que Deus pudesse
fazer a matéria se adequar eliminando o pensar. Ele sugeriu que não era mais
além de nossa compreensão que os movimentos do corpo pudessem dar origem ao
prazer e à dor do que uma alma imaterial poder sentir dor após a ocorrência de alguns
movimentos no corpo. [nota 5] Ele sugeriu que a imaterialidade da alma não era
particularmente importante. Em uma passagem do Livro IV, capítulo 2, seção 6,
Locke escreve: A matéria pode criar pensamento?
Todos
os grandes fins da moralidade e da religião ficam suficientemente assegurados
[mesmo] sem provas filosóficas da materialidade da alma; uma vez que é evidente
que aquele que, num primeiro momento nos fez seres subsistia aqui, Seres
sensatos e inteligentes, e por vários anos continua connosco em tal estado,
pode e vai-nos restaurar a um estado como o de estado de Sensibilidade em outro
Mundo, e fazer-nos lá capazes de receber a retribuição que tem destinada aos
homens, de acordo com os feitos nesta vida. E, portanto, esta não é uma
poderosa necessidade para determinar de uma forma ou de outra, como alguns
superzelosos favoráveis ou contra a imaterialidade da alma, seguem em frente
para fazer o mundo acreditar".
Estas
sugestões foram muitas vezes tomadas mais intensamente que o previsto. Muitos
dos críticos de Locke tinham suspeitas de que Locke tinha tendências
materialistas. Ao invés das conclusões cépticas sobre substância imaterial
contra a substância material que Locke está claramente defendendo, seus
comentários eram, por vezes, tratados como propondo que a matéria pode e faz o
pensar.
Samuel
Clarke, por exemplo, um estudante de Newton e um teólogo anglicano ortodoxo,
engajaram em um debate por panfleto público de 1706 a 1708 com Anthony Collins
sobre este assunto. Clarke procurou mostrar que a partir das ideias somente
seria possível mostrar que a matéria pensamento implicaria uma contradição. Se
está certo Clarke, a interpretação de Locke seria errada. Houve uma explosão de
refutações da alegação de que a matéria pode pensar e a discussão desta questão
durou pelo menos até perto do fim do século XVIII. (in Vikipedia)
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