Baruch
Espinoza
Nascimento
- 24 de Novembro de 1632, Amesterdão, Países Baixos
Morte
- 21 de Fevereiro de 1677 (44 anos), Haia, Países Baixos, Nacionalidade holandesa
Ocupação:
filósofo
Magnum
opus - Ética
Tractatus
Theologico-Politicus
Escola/tradição:Panteísmo
naturalista, espinozismo (fundador), racionalismo, eudemonismo, cartesianismo
Principais
interesses: ética, metafísica, teoria do conhecimento, teologia, Lógica
Ideias
notáveis: conatus, interpretação histórico-critica da Bíblia
Religião-nenhuma
Foi
um dos grandes racionalistas e filósofos do século XVII dentro da chamada
Filosofia Moderna, juntamente a René Descartes e Gottfried Leibniz. Nasceu em Amesterdão,
nos Países Baixos, no seio de uma família judaica portuguesa e é considerado o
fundador do criticismo bíblico moderno.
Chamado
pelos pais de Bento, chamou-se "Baruch" enquanto que judeu nascido e
vivendo em Amesterdão. Finalmente, utilizou Benedictus para assinar a sua
Ethica, depois do chérem, em seu nome. Também é conhecido como Benedito Espinoza.
Vida
A
sua família fugiu da Inquisição de Portugal. Foi um profundo estudioso da
Bíblia, do Talmude e de obras de judeus como Maimónides, Ben Gherson, Ibn Ezra,
Hasdai Crescas, Ibn Gabirol, Moisés de Córdoba e outros. Também se dedicou ao
estudo de Sócrates, Platão, Aristóteles, Demócrito, Epicuro, Lucrécio e também
de Giordano Bruno. Ganhou fama pelas suas posições opostas à superstição (a sua
frase Deus sive natura, "Deus, ou seja, a Natureza" é
um conceito filosófico, e não religioso), e ainda devido ao fato de a sua ética
ter sido escrita sob a forma de postulado e definições, como se fosse um
tratado de geometria. O banimento, que foi escrito em português
Em
27 de Julho de 1656, a Sinagoga Portuguesa de Amesterdão puniu Espinoza com o
chérem, o equivalente hebraico da excomunhão católica, pelos seus postulados a
respeito de Deus em sua obra, defendendo que Deus é o mecanismo imanente da
natureza, e a Bíblia, uma obra metafórico-alegórica que não pede leitura
racional e que não exprime a verdade sobre Deus.
O banimento
“Os
Senhores do Mahamad [Conselho da Sinagoga] fazem saber a Vosmecês: como há dias
que tendo notícia das más opiniões e obras de Baruch de Spinoza procuraram, por
diferentes caminhos e promessas, retirá-lo de seus maus caminhos, e não podendo
remediá-lo, antes pelo contrário, tendo cada dia maiores notícias das horrendas
heresias que cometia e ensinava, e das monstruosas acções que praticava, tendo disto
muitas testemunhas fidedignas que deporão e testemunharão tudo em presença do
dito Spinoza, coisas de que ele ficou convencido, o qual tudo examinado em
presença dos senhores Hahamim [conselheiros], deliberaram com seu parecer que o
dito Spinoza seja heremizado [excluído] e afastado da nação de Israel como de
fato o heremizaram com o Herem [anátema] seguinte:
"Com a
sentença dos Anjos e dos Santos, com o consentimento do Deus Bendito e com o
consentimento de toda esta Congregação, diante destes santos Livros, nós
heremizamos, expulsamos, amaldiçoamos e esconjuramos Baruch de Spinoza [...]
Maldito seja de dia e maldito seja de noite, maldito seja em seu deitar,
maldito seja em seu levantar, maldito seja em seu sair, e maldito seja em seu
entrar [...] E que Adonai [Soberano Senhor] apague o seu nome de sob os céus, e
que Adonai o afaste, para sua desgraça, de todas as tribos de Israel, com todas
as maldições do firmamento escritas no Livro desta Lei. E vós, os dedicados a
Adonai, que Deus vos conserve todos vivos. Advertindo que ninguém lhe pode
falar pela boca nem por escrito nem conceder-lhe nenhum favor, nem debaixo do
mesmo tecto estar com ele, nem a uma distância de menos de quatro côvados, nem
ler Papel algum feito ou escrito por ele."
Conforme
Will Durant, seu chérem pelos judeus de Amesterdão, tal como ocorrera com as
atitudes que levaram à retratação e posterior suicídio de Uriel da Costa em
1647, fora como que um gesto de "gratidão" por parte dos judeus para
com o povo holandês.
Embora
os pensamentos de da Costa não fossem totalmente estranhos para o judaísmo,
vinham contra os pilares da crença cristã. Os judeus, perseguidos por toda
Europa na época, especialmente pelos governos ibéricos e pelos governos
luteranos alemães, haviam recebido abrigo, protecção e tolerância dos
protestantes de inspiração calvinista dos Países Baixos e, assim, não poderiam
permitir, no seio de sua comunidade, um pensador tido como herege.
Pós-chérem
Após
o chérem, adoptou o primeiro nome "Benedictus" (termo latino para
"Bendito", que era a tradução do seu nome original
"Baruch"), assim atestando seu desvinculo da religião judaica.
Para
sua subsistência, trabalhava com polimento de lentes durante os períodos em que
viveu em casas de famílias em Outerdek (próximo a Amesterdão) e em Rijnsburg,
tendo recusado várias oportunidades e recompensas durante sua vida, incluindo
prestigiosas posições de ensino (foi convidado a ensinar na Universidade de
Heidelberg mas recusou, pois teria de arcar com as normas ideológicas da universidade
e seria impossível continuar com a sua obra de forma independente.). Nesta
última localidade, escreveu suas principais obras.
Uma
vez que as reacções públicas ao seu Tratado Teológico-Político não lhe eram
favoráveis, absteve-se de publicar seus trabalhos. A Ética foi publicada após
sua morte, na Opera Postuma editada por seus amigos.
Morte
Morreu
num domingo, 21 de Fevereiro de 1677, aos quarenta e quatro anos, vitimado pela
tuberculose. Morava então com a família Van den Spyck, em Haia. A família havia
ido à igreja e o deixara com o amigo doutor Meyer. Ao voltarem, encontraram-no
morto. Encontra-se sepultado no pátio da Nieuwe Kerk, em Haia, nos Países
Baixos.
Traços físicos
Conforme
Colerus, que o conheceu em Rijnsburg, Spinoza "era de mediana estatura,
feições regulares, pele cor de oliva, cabelos pretos e crespos, sobrancelhas
negras e bastas, denunciando claramente a ascendência de judeus Sefardim ou
sefarditas (originalmente naturais da Península Ibérica). No trajar muito descuidado,
a ponto de quase se confundir com os cidadãos da mais baixa classe".
Reconhecimento
Suas
obras o fizeram reconhecido em vida, tendo recebido cartas de figuras
proeminentes como Henry Oldenburg da Royal Society; do inventor alemão
Ehrenfried Walther von Tschirnhaus; do cientista holandês Huygens; de Leibnitz;
do médico Louis Meyer, de Haia; e do rico mercador De Vries, de Amesterdão.
Luís XIV lhe ofereceu uma larga pensão para que Spinoza lhe dedicasse um livro.
O filósofo recusou polidamente.
O
príncipe de Condé, na chefia do exército da França que invadira a Holanda,
novamente convidou-o a aceitar uma pensão do rei da França e ser apresentado a
vários admiradores. Spinoza, desta vez, aceitou a honraria, mas se viu em
dificuldades ao retornar a Haia, por causa dessa suposta "traição".
Porém, logo o povo, ao perceber que se tratava de um filósofo, um inofensivo,
se acalmou.
O
monumento feito em homenagem a Spinoza em Haia foi assim comentado por Renan em
1882:
“Maldição
sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido como
todas as almas vulgares são punidas — pela sua própria vulgaridade e pela
incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu pedestal de
granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e
por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: Foi
quem teve a mais profunda visão de Deus.”
O
retrato de Spinoza foi impresso nas antigas notas de 1000 florins dos Países
Baixos, até a introdução do euro, em 2002.
Obra
a)
Publicados "post mortem":
Escritos
em latim:
Ética
demonstrada à maneira dos geômetras (Ethica Ordine Geometrico Demonstrata) -
iniciado em Rijnsburg e finalizado em Haia em 1675;
Conteúdo:
Primeira
parte: Deus
Segunda
parte: A natureza e a Origem da Mente.
Terceira
parte: A Origem e a Natureza dos Afitos.
Quarta
parte: A Servidão Humana ou a Força dos Afitos.
Quinta
parte: A Potência do Intelecto ou a Liberdade Humana.
Tratado
Político (Tractatus Politicus), depois incluído na Ética; 1677
Tratado
sobre o Cálculo Algébrico do Arco-Íris, 1687
Tratado
sobre o Cálculo das Probabilidades, 1687
Compêndio
de Gramática da Língua Hebraica, inacabado.
Escritos
em holandês:
Breve
tratado de Deus, do homem e do seu bem-estar (Korte Verhandeling van Deus, de
Mensch en deszelvs Welstand) (foi um esboço da Ética); 1660
b)
Publicados
Tratado
sobre a Reforma do Entendimento (De Intellectus Emendatione) - Ensaio. Também
publicado na língua portuguesa com os títulos: Tratado para Emendar o Intelecto
(Editora Unicamp), Tratado da Reforma da Inteligência (Editora Martin Fontes),
Tratado da Reforma do Entendimento (Editora Escala) e Tratado sobre a Correcção
do Intelecto (Acrópolis Filosofia), 1662.
Princípios
da Filosofia de Descartes, publicado junto com seu apêndice Pensamentos
Metafísicos. Espinosa revela seu afastamento cada vez maior em relação a várias
teses de Descartes, embora pareça apenas servir-se do cartesianismo para
refutar a escolástica. 1663.
Tratado
Teológico-político (Tractatus Theologico-Politicus), 1670
Conteúdo
filosófico
Espinosa
defendeu que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade, a saber, a
única substância em que consiste o universo e do qual todas as entidades
menores constituem modalidades ou modificações. Ele afirmou que Deus sive
Natura ("Deus ou Natureza" em latim) era um ser de infinitos
atributos, entre os quais a extensão (sob o conceito actual de matéria) e o
pensamento eram apenas dois conhecidos por nós.
A
sua visão da natureza da realidade, então, fez tratar os mundos físicos e
mentais como dois mundos diferentes ou submundos paralelos que nem se sobrepõem
nem interagem mas coexistem em uma coisa só que é a substância. Esta formulação
é uma solução muitas vezes considerada um tipo de panteísmo e de monismo, porém
não por Espinosa, que era um racionalista e, por extensão, se teria um
acompanhamento intelectual do Universo, como define ele em seu conceito de
"Amor Intelectual de Deus".
Espinosa
também propunha uma espécie de determinismo, segundo o qual absolutamente tudo
o que acontece ocorre através da operação da necessidade, e nunca da
teleologia. Para ele, até mesmo o comportamento humano seria totalmente
determinado, sendo então a liberdade a nossa capacidade de saber que somos
determinados e compreender por que agimos como agimos. Deste modo, a liberdade
para Espinosa não é a possibilidade de dizer "não" àquilo que nos
acontece, mas sim a possibilidade de dizer "sim" e compreender
completamente porque as coisas deverão acontecer de determinada maneira.
A
filosofia de Espinosa tem muito em comum com o estoicismo, mas difere muito dos
estoicos num aspecto importante: ele rejeitou fortemente a afirmação de que a
razão pode dominar a emoção. Pelo contrário, defendeu que uma emoção pode ser
ultrapassada apenas por uma emoção maior. A distinção crucial era, para ele,
entre as emoções activas e passivas, sendo as primeiras aquelas que são
compreendidas racionalmente e as outras as que não o são.
Substância
Para
Espinoza, a substância não possui causa fora de si, ela é causa de si mesma, ou
seja, uma causa sui. Ela é singular a ponto de não poder ser concebida por
outra coisa que não ela mesma. Por ser causa de si, a substância é totalmente
independente, livre de qualquer outra coisa, pois sua existência basta-se em si
mesma. Ou seja, a substância, para que o entendimento possa formar seu
conceito, não precisa do conceito de outra coisa. A substância é absolutamente
infinita, pois se não o fosse, precisaria ser limitada por outra substância da
mesma natureza.
Pela
proposição VI da Parte I da Ética, ele afirma: "Uma substância não pode ser produzida por outra substância",
portanto, não existe nada que limite a substância, sendo ela, então, infinita.
Da mesma forma, a substância é indivisível, pois, do contrário, ao ser dividida
ela, ou conservaria a natureza da substância primeira, ou não. Se conservasse,
então uma substância formaria outra, o que é impossível de acordo com a
proposição VI; se não conservasse, então a substância primeira perderia sua
natureza, logo, deixaria de existir, o que é impossível pela proposição 7, a
saber: "à natureza de uma substância, pertence o existir". Assim, a
substância é indivisível.
Assim,
sendo da natureza da substância absolutamente infinita existir e não podendo
ser dividida, ela é única, ou seja, só há uma única substância absolutamente
infinita ou Deus.
Apesar
de ser denominado Deus, a substância de Espinoza é radicalmente diferente do
Deus judaico-cristão, pois não tem vontade ou finalidade já que a substância
não pode ser sem existir (se pudesse ser sem existir, haveria uma divisão e a
substância seria limitada por outra, o que, para Espinoza, é absurdo, como foi
explicado no parágrafo anterior). Consequentemente, o Deus de Espinoza não é
alvo de preces e menos ainda exigiria uma nova religião.
Natureza Humana
Baruch
Espinoza viveu em um tempo onde recebeu diferentes influências, um tempo de
transição, que marcava o início da modernidade. O filósofo teve que ser
cauteloso na exposição de seu pensamento, porque muitos de seus colegas
sofreram perseguição e foram até mortos. Para Espinoza, Deus e a natureza são
uma coisa só, não havendo distinção entre eles. Essa concepção exclui ideias
transcendentais e entra em choque com os que acreditam no direito divino para
os reis, bem como com Direitos naturais hereditários. Seu caráter Naturalista
exclui a ideia Dualista de que haveria uma maneira natural de como as coisas
deveriam ser. Muitos pensadores acreditavam que as coisas deveriam ser da
maneira que são pela vontade de Deus: essa é uma diferença importante no pensamento
de Spinoza.
O
filósofo começa a expor seu pensamento acerca da natureza humana no livro
Tratado Teológico-político. Nele, o autor explica como acredita que funcionam
as economias dos Afectos e Desejos e de que maneira isso afeta como vivemos. No
capítulo XVI/3, encontramos um exemplo: "O
direito natural e cada homem definem-se, portanto, não pela razão sã, mas pelo
desejo e pela potência. Ninguém, com efeito, está determinado a se comportar
conforme as regras e as leis da razão; ao contrário, todos nascem ignorantes de
todas as coisas e a maior parte de suas vidas transcorre antes que possam
conhecer a verdadeira regra da vida e adquirir o estado de virtude, mesmo que
tenham sido bem educados. E eles não são menos obrigados a viver e a se
conservar, nessa espera, pelo simples impulso do apetite, pois a natureza não
lhes deu outra coisa, e lhes recusou a potência actual de viver conforme a recta
razão; logo, considerando submetido apenas ao império da natureza, tudo o que
um indivíduo julgar como lhe sendo útil, seja pela conduta da razão seja pela
violência de suas paixões, é-lhe permitido desejar, em virtude desejar, em
virtude de um soberano direito de natureza e tomar por qualquer via que seja,
pela força, pela artimanha, por preces, enfim, por meio mais fácil que lhe
pareça. Consequentemente, também ter por inimigo aquele que quiser impedi-lo de
se satisfazer".
Mais
adiante, Spinoza vai argumentar que o uso da Razão viria a partir de um
exercício, mas que ainda estamos longe de chegar lá devido às Paixões. O autor
disserta: "Mas falta muito para que
todos se deixem facilmente se conduzir apenas pela razão; cada um se deixa
levar por seu prazer e, mais amiúde,
a avareza, a glória, a inveja, o ódio etc. ocupam a mente, de tal sorte que a
razão não tem qualquer lugar".
No
ano de sua morte, Spinoza termina um outro livro, que seria uma continuação do
anterior, dando sequência a seus pensamentos e sua teoria. No Tratado Político
(Espinosa), título do novo livro, Espinosa também aborda, em diferentes
momentos, a questão da natureza humana, bem como a força das paixões e os
efeitos que elas produzem nos corpos. Logo no primeiro capítulo, o autor
explica de que maneira ele tenta entender essas paixões e estudá-las, a fim de
aplicá-las na sua teoria: "Quando,
por conseguinte, apliquei o ânimo à política, não pretendi demonstrar com
razões certas e indubitáveis, ou deduzir da própria condição humana, algo que
seja novo ou jamais ouvido, mas só aquilo que está mais de acordo com a
prática. E, para investigar aquilo que respeita a esta ciência com a mesma
liberdade de ânimo que é costume nas coisas matemáticas, procurei
escrupulosamente não rir, não chorar nem detestar as acções humanas, mas
entendê-las. Assim não encarei os afectos humanos, como são o amor, o ódio, a
ira, a inveja, a glória, a misericórdia e as restantes comoções do ânimo, como
vícios da natureza humana, mas como propriedades que lhe pertencem, tanto como
o calor, o frio, a tempestade, o trovão e outros fenómenos do mesmo género que
pertencem à natureza do ar, os quais, embora sejam incómodos, são contudo
necessários e têm causas certas mediante as quais tentamos entender sua natureza".
O
autor expõe seu pensamento com clareza acerca da sua discordância com o
pensamento comum da época. Explicando o porquê de não acreditar que as pessoas
agem exclusivamente através da razão: "Depois,
na medida em que cada coisa se esforça, tanto quanto esta em si, por conservar
o seu ser, não podemos de forma alguma duvidar de que, se estivesse tanto em
nosso poder vivermos segundo os preceitos da razão como conduzidos pelo desejo
cego, todos se conduziriam pela razão e organizaram sabiamente a vida, o que
não acontece minimamente, pois cada um é arrastado pelo seu prazer".
Para o filósofo, as pessoas não se submetem ao estado por uma análise racional,
mas por uma economia de seus desejos, sejam eles medo ou esperança. São as
paixões que, em acordo com outras Paixões, encontram vontades comuns que
permitem que as pessoas se agrupem em "estados" e, assim, se submetam
de alguma maneira a algum sistema. Seja ele monárquico aristocrático ou
democrático. "Longe de ser fruto de
uma ruptura com a natureza, o estado forma-se no âmbito desta, mediante a
dinâmica afectiva, ou passional, que associa ou põe em confronto os indivíduos".
"Por isso também, a essência do
político é impossível de se confundir com uma qualquer moldura racional de onde
e no interior da qual as normas de conduta fossem deduzidas, de modo a
imporem-se como condição necessária e legítima da paz e da estabilidade".
Observamos
que Spinoza defende uma espécie de sistema económico de gerenciamento dos afectos,
tanto por parte dos súbditos, como do Soberano. Esse gerenciamento é subjectivo,
e acontece individualmente, com efeitos no colectivo. Cabe, aos súbditos,
sentirem sua Potência, a fim de preservar sua vida, e maximizar sua liberdade,
bem como o soberano de não impor sistema rígido demais que encurrale seus
súditos a ponto de que esses se rebelem. O estado mais "racional", é
aquele que consegue entender as demandas da sua população, e promover uma
espécie de bem-estar. A paz imposta pelo medo, como ausência de guerra, é
sempre temporária. O bem-estar de todos é o que ajuda a manter o estado coeso.
Esse sistema é precário, e está sempre sujeito a avaliações e adequações para
melhor atender a todos, defendendo, assim, até a manutenção do estado pelo
soberano. Spinoza entende o estado como a potência da Multidão, e define, no TP
2/17, os sistemas políticos que podem constituir esse estado. O autor
esclarece: "Detém–no absolutamente
quem, por consenso comum, tem a incumbência da república, ou seja, de estatuir,
interpretar e abolir direitos, fortificar as urbes, decidir sobre guerra e paz
etc. E se esta incumbência pertencer a um conselho que é composto pela multidão
comum, então o estado chama–se Democracia; mas se for composto só por alguns
eleitos, chama–se Aristocracia; e se finalmente, a incumbência da República e
por conseguinte, o estado, estiver nas mãos de um só, então chama–se
Monarquia". Com isso, podemos concluir o pensamento de Spinoza e
entender como a Natureza age sobre/através as potências de todos e como isso
influencia o estado e o sistema político.
Os afectos - o
desejo, a alegria e a tristeza
Os
corpos se individualizam em razão do "movimento e do repouso", da
"velocidade e lentidão" e não em função de alguma substância
particular (escólio 1 da proposição 13 da parte 2 da Ética), e a identidade
individual através do tempo e da mudança consiste na manutenção de uma
determinada proporção de movimento e repouso das partes do corpo (proposição 13
da parte 2 da Ética). O corpo humano é um complexo de corpos individuais, e é
capaz de manter suas proporções de movimento e de repouso ao passar por uma ampla
variedade de modificações impostas pelo movimento e repouso de outros corpos.
Essas modificações são o que Espinoza chama de "afecções".
Uma
afecção que aumenta a capacidade do corpo de manter suas proporções
características de movimento e repouso aumenta a "potência de agir" e
tem, em paralelo, na mente, uma modificação que aumenta a "potência de
pensar". A passagem de uma potência menor para uma maior é o "afecto
de alegria" (definição dos afectos, parte 2 da Ética). Uma afecção que
diminui a potência do corpo de manter as proporções de movimento e repouso
diminui a potência de agir e tem, em paralelo, na mente, uma diminuição da
potência de pensar. A passagem de uma potência maior para uma menor é o "afecto
de tristeza". Já uma afecção que ultrapassa as proporções de movimento e
repouso dos corpos que compõe o corpo humano destrói o corpo humano e a mente
(morte).
Os
indivíduos (mentes e corpos) se esforçam em perseverar em sua existência tanto
quanto podem (proposição 6 da parte 3 da Ética). Eles sempre se esforçam para
ter alegria, isto é, um aumento de sua potência de agir e de pensar, e eles
sempre se opõem ao que lhes causa tristeza, ou seja, aquilo que diminui sua
capacidade de manter as proporções de movimento e repouso características de seu
corpo. O esforço por manter e aumentar a potência de agir do corpo e de pensar
da mente é o que Espinoza chama de "desejo" (conatus).
“Não é por
julgarmos uma coisa boa que nos esforçamos por ela, que a queremos, que a
apetecemos, que a desejamos, mas, ao contrário, é por nos esforçarmos por ela,
por querê-la, por apetecê-la, por desejá-la, que a julgamos boa.”
—
Espinoza, Ética, parte 3, proposição 9 esc.
As
afecções que são atribuídas à "acção" do corpo humano testemunham o
aumento de sua potência de agir e de pensar e, por isso, o afecto de alegria
sempre impulsiona a actividade. Em contraste, as afecções que diminuem a
potência de agir e de pensar (provocando tristeza) testemunham sempre a
passividade do corpo humano, são sempre passivas, são "paixões" (do
grego pathos, "sofrer uma acção").
Para
Espinoza, a ilusão dos homens de que suas acções resultam de uma livre decisão
da mente é consequência de eles serem conscientes apenas de suas acções
enquanto ignoram as causas pelas quais são determinados, o que faz com que suas
acções sejam determinadas pelas paixões. Isso é o que ele chama de
"primeiro género de conhecimento", "imaginação" ou
"ideias inadequadas" (a consciência de nossos afectos, e a
inconsciência do que os determina). O "segundo género de conhecimento"
são as "noções comuns" ou "ideias adequadas", que se caracterizam
pela consciência do que nos determina a agir. As ideias adequadas sempre são
efeitos da alegria, acarretam alegria e impulsionam a actividade, enquanto a
imaginação (ideias inadequadas) se caracteriza pela passividade e pelo acaso de
causar ou ser efeito da alegria ou da tristeza.
“[...] uma
criancinha acredita apetecer, livremente, o leite; um menino furioso, a
vingança; e o intimidado, a fuga. Um homem embriagado também acredita que é pela
livre decisão de sua mente que fala aquilo sobre o qual, mais tarde, já sóbrio,
preferiria ter calado. Igualmente, o homem que diz loucuras, a mulher que fala
demais, a criança e muitos outros do mesmo género acreditam que assim se
expressam por uma livre decisão da mente, quando, na verdade, não são capazes
de conter o impulso que os leva a falar. Assim, a própria experiência ensina,
não menos claramente que a razão, que os homens se julgam livres apenas porque
são conscientes de suas acções, mas desconhecem as causas pelas quais são
determinados. Ensina também que as decisões da mente nada mais são do que os
próprios apetites: elas variam, portanto, de acordo com a variável disposição
do corpo. Assim, cada um regula tudo de acordo com o seu próprio afecto e, além
disso, aqueles que são afligidos
por afectos opostos não sabem o que querem, enquanto aqueles que não têm nenhum
afecto são, pelo menor impulso, arrastados de um lado para outro. Sem dúvida,
tudo isso mostra claramente que tanto a decisão da mente, quanto o apetite e a
determinação do corpo são, por natureza, coisas simultâneas, ou melhor, são uma
só e mesma coisa, que chamamos decisão quando considerada sob o atributo do
pensamento e explicada por si mesma, e determinação, quando considerada sob o
atributo da extensão e deduzida das leis do movimento e do repouso [...]”
—
Spinoza, Ética, parte 3, proposição 2 esc.
A
grande inovação da ética de Espinoza foi que, nela, a razão não se opõe aos afectos,
pelo contrário, a própria razão é um afecto, um desejo de encontrar ou criar as
oportunidades de alegria na vida e de evitar ou desfazer ao máximo as
circunstâncias que causam tristeza, mas o próprio desejo-razão (do mesmo modo
que os outros tipos de afectos) não depende da vontade livre, mas de afecções
que fogem ao controle do indivíduo porque são modos da substância única
infinita, que não tem finalidade nem providência. Em diversas obras Espinoza
diz que é nocivo (diminui nossa potência de agir e de pensar) ridicularizar ou
reprovar alguém dominado pelas paixões, porque isso não depende da livre
decisão da mente. O único modo do homem que se guia pela razão ajudar os outros
é, nas palavras de Espinoza: “Não rir nem chorar, mas compreender.”
—
Espinoza, Tratado Político
A
ética de Espinoza é a ética da alegria. Para ele, só a alegria é boa,
unicamente a alegria nos leva ao amor (que ele define como a ideia de alegria
associada a uma causa exterior) no quotidiano e na convivência com os outros,
enquanto a tristeza sempre é má, intrinsecamente relacionada ao ódio (que ele
define como a ideia de tristeza associada a uma causa exterior), a tristeza
sempre é destrutiva para nós e para os outros.
O terceiro género
de conhecimento - beatitude
Além
dos dois géneros citados anteriormente, Espinoza afirma ainda um terceiro,
chamado beatitude. Esse conhecimento se caracteriza por compreender, nas coisas
singulares, o aspecto da eternidade (sub specie aeternitatis). Seria algo como
ver as coisas singulares como inseparáveis dos modos da substância infinita e
eterna (Deus), compreendendo que as coisas singulares são elas mesmas eternas,
existindo fora do tempo. Esse é um dos conceitos de Espinoza mais controversos
e discutidos.
A influência
Spinoza
ficou considerado como maldito por muitos anos após sua morte. Quem recuperou a
sua reputação foi o crítico alemão Gotthold Ephraim Lessing em seus diálogos
com Johann Jakob Reiskei em 1784. Na sequência, o filósofo foi citado, elogiado
e inspirou pessoas como os teólogos liberais Johann Gottfried von Herder e
Friedrich Schleiermacher, o poeta católico Novalis e o polímata Johann Wolfgang
von Goethe.
Da
combinação do pensamento de Spinoza com a epistemologia de Immanuel Kant,
saíram os "panteísmos" de Johann Gottlieb Fichte, Friedrich Wilhelm
Joseph von Schelling e de Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Influenciou os
conceitos de Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche e Henri Bergson
"vontade de viver", "vontade de poder" e "élan vital",
respectivamente. Inspirou o pensador inglês Samuel Taylor Coleridge, bem como
os poetas e também ingleses William Wordsworth e Shelley.
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