Livro dos ofícios –
Livre des métiers d’Etienne Boileau (1268)
(26 de Dezembro de 2016 LucianoRodrigues)
Introdução
Tendo sido nomeado
Reitor de Paris em 1261, com maiores responsabilidades para com a justiça,
polícia e administração da cidade, Étienne Boileau (1200-1270) logo começou a
codificar os regulamentos, costumes e práticas das diferentes corporações de
trabalhadores que tinham o seu ofício na capital do reino francês. Até esse
ponto, a maioria dos regulamentos eram simplesmente tradições transmitidas de
boca em boca e, portanto, sujeitas aos caprichos da memória ou má interpretação
deliberada para ganho pessoal.
Boileau ordenou que
os líderes das profissões, os mestres e os Prud’hommes (representantes dos
trabalhadores), fossem ao Grand Châtelet (Sede da reitoria) de Paris para registar
os direitos, privilégios e requisitos de suas profissões, a fim de que um livro
dos ofícios pudesse ser compilado a partir do testemunho direto das pessoas
envolvidas. Neste momento foram registados em detalhes, mais de 100 dos 150
ofícios praticados dentro dos muros de Paris e esta compilação foi apresentada
ao Rei em 1268.
Na segunda metade dos
anos 1200, Paris – fundada 1.400 anos antes na Ile de la Cité (Ilha da Cidade)
com o nome de Lutetia – estava com 150.000 habitantes, sendo a cidade mais
populosa do mundo cristão. A sua localização, às margens do rio Sena, no centro
de uma região agrícola próspera e no cruzamento das principais vias, tornou um
importante centro económico.
Seus operários e
comerciantes foram agrupados em guildas ou corporações, que iniciaram disputas
por territórios e prerrogativas. Isto levou a um conflito legal e físico. Na
época, os tribunais foram entupidos com reivindicações e disputas, enquanto nas
ruas, houve confrontos públicos e lutas entre residentes locais e estrangeiros
itinerantes.
Diante da agitação,
Luís IX (1214-1270), decidiu que uma nova regulamentação constituía a melhor
forma de pacificação e controle de todas as actividades locais, e a melhor
maneira de garantir renda regular através de impostos reais. Os regulamentos de
Étienne Boileau dirigiram as profissões francesas para os 500 anos seguintes.
O documento, Livre des métiers (livro dos ofícios ou
profissões) está dividido em seis partes, o último incluindo entre outros, os
artífices, pedreiros, construtores e gesseiros. É nesta secção que está o
interessante para os maçons modernos e assim citados nesta publicação.
É de notar que o
primeiro códice do livro dos ofícios, também chamado Livro Branco ou Primeiro
Livro dos Ofícios, foi destruído por um incêndio na Chambre des Comptes, em 26
de Outubro de 1737, mas cópias de seu conteúdo estão bem preservadas até hoje.
O
texto (Tradução livre por Luciano R. Rodrigues)
Étienne Boileau, o
Reitor de Paris, a todos os burgueses e moradores de Paris, e a todos aqueles
que entrarão nos limites deste mesmo lugar, e que se interessará, Oyez (1) …
Aos
Maçons, Plasterers e Mortarers (2)
Estes são os
estatutos e regras do Sindicato dos Mestres Maçons, Plasterers e Mortarers,
feitos em honra de Deus.
1 – Na cidade de
Paris qualquer pessoa que deseje ser um pedreiro, pode ser um, desde que
conheça o seu ofício e trabalhe de acordo com as práticas e costumes de sua
profissão, que são assim definidos:
2 – Ninguém pode ter
mais de um aprendiz na sua actividade, e se ele tem um, deve mantê-lo por seis
anos de serviço. Ele pode muito bem mantê-lo além deste tempo, se o homem
estiver disponível, mediante pagamento (3). Se ele o mantiver por menos de seis
anos, será multado em vinte centavos de Paris (4), pagável à capela de Saint
Blaise (5), salvo se os aprendizes forem seus próprios filhos, nascidos no
casamento.
3 – O Maçom pode
licitamente tomar um segundo aprendiz nos mesmos termos que fez o exame do
primeiro, contanto que o primeiro tenha concluído cinco anos de aprendizado.
4 – O Rei que agora
governa, a quem Deus concedeu longa vida, tem confiado, durante o tempo que
entender, autoridade sobre todos os Maçons, ao Mestre William de Saint-Patu. O
dito Mestre William jurou em Paris, no Palace Lodge (6), que protegeria a
Guilda dos Maçons o melhor que pudesse, com honestidade e justiça, tanto para
os pobres como para os ricos, para os fracos e para os poderosos, tanto quanto
o Rei desejasse que ele servisse aquela Guilda.
Mestre William então
deu seu juramento na presença do Reitor de Paris no Grand Châtelet (7).
5 – Mortarers e
Plasterers estão sob as mesmas condições e organização que os maçons.
6 – O Mestre que em
nome do Rei chefia a Guilda de Maçons, Mortarers e Plasterers de Paris, pode
ter dois aprendizes apenas, nas mesmas condições, conforme estipulado acima. Se
ele tiver mais aprendizes, será multado conforme indicado acima.
7 – Os Maçons,
Mortarers e Plasterers podem ter tantos ajudantes e empregados (8) em suas actividades
quanto eles desejarem, desde que a eles não mostrem nenhum dos pontos de
qualidade do seu ofício.
8 – Todos os Maçons,
Mortarers e Plasterers devem jurar proteger seu Ofício, empenhando-se a
trabalhar lealmente e para o bem e informar ao Mestre da Guilda qualquer caso
de violação sobre os usos e costumes do Ofício que possa ter a sua atenção.
9 – Os Mestres com
aprendizes cujo período de aprendizagem esteja cumprido, devem comparecer
perante o Mestre da Guilda e testemunhar o facto de que seu aprendiz cumpriu
fielmente o seu tempo e com isso o Mestre da Guilda pedirá ao aprendiz que
prometa sob juramento observar as práticas e costumes do Ofício, lealmente e
satisfatoriamente.
10 – Ninguém pode
praticar o ofício depois do Nones (3 pm) serem entoados em Notre-Dame aos
sábados, a qualquer hora durante o ano ou depois que as vésperas (6 pm) são
cantadas em Notre-Dame, a menos que ele esteja prestes a fechar um arco ou uma
escada, ou esteja prestes a colocar as últimas pedras de uma porta que conduz à
rua.
Se alguém trabalhar
além destas horas, com excepção do trabalho acima indicado ou similar, que não
pode ser adiado, ele deve pagar uma multa de quatro deniers (uma moeda pequena
que vale cerca de um centavo) para o Mestre da Guilda e o Mestre da Guilda pode
retirar as ferramentas daquele que repete a ofensa.
11 – Os Mortarers e
os Plasterers estão sob a jurisdição do Mestre que, em nome do Rei, chefia a
Guilda acima mencionada.
12 – Se um Plasterer
entregar gesso para uso de qualquer pessoa, o Maçom que o emprega deve
verificar, sob juramento, se o gesso enviado está na medida correcta e honesta.
Se ele estiver em dúvida, ele deve medir novamente ou tê-lo medido diante de
seus olhos.
Se ele achar que a
medida está errada, o Plasterer tem que pagar uma multa de cinco sous: dois
sous à capela acima mencionada de Saint Blaise, dois sous para o Mestre da
Guilda, e 12 deniers para o maçom que terá medido o gesso.
Deve, no entanto, se
provado que faltava a mesma quantidade de gesso de cada carga de burro entregue
para o trabalho específico, como estava faltando no saco que foi medido, um
saco de carga por si só não pode ser avaliado.
13 – Ninguém pode ser
um Plasterer em Paris, a menos que ele pague cinco sous ao Mestre da Guilda
nomeado. Depois de ter pago ele deve prometer sob juramento não misturar
qualquer outro material com o gesso e dar boa e honesta medida.
14 – Se um Plasterer
misturar material que não deve ser usado com seu gesso, ele deve pagar uma
multa de cinco sous ao Mestre da Guilda cada vez que ele repetir a ofensa. Se o
Plasterer tem o hábito de fraudar e não melhorar ou se arrepender, o Mestre da
Guilda pode suspendê-lo do Ofício; E se o Plasterer não obedecer ao Mestre da
Guilda, este deve informar o Reitor de Paris, que deve, por sua vez, forçar o
Plasterer a abandonar o ofício.
15 – Os Mortarers
devem prometer sob juramento e na presença do Mestre da Guilda e outros Mestres
do Ofício que não farão argamassa que não seja boa qualidade e, caso a façam de
outro material de modo que a argamassa não fixe, enquanto as pedras estão sendo
colocadas, a estrutura deve ser desfeita e uma multa de quatro deniers deve ser
paga ao Mestre da Guilda.
16 – Os Mortarers não
podem ter um aprendiz por menos de seis anos de serviço e cem sous de Paris,
para ensiná-lo.
17 – Com a
autorização do Rei, o Mestre da Guilda tem jurisdição sobre infracções menores
e multas de Maçons, Plasterers e Mortarers e de seus ajudantes e aprendizes.
Além disso, tem jurisdição sobre os empreendimentos do seu ofício, sobre os
construtores não autorizados e sobre as reivindicações, com excepção de
reivindicações de propriedade.
18 – Se algum dos
trabalhadores dos ofícios acima mencionados, quando convocados pelo Mestre da
Guilda, não obedecerem, a multa a ser paga ao dito Mestre é fixada em quatro
deniers; Se ele aparece no dia designado e for considerado culpado, ele faz uma
promessa, e se ele não pagar dentro do prazo designado ele tem que pagar [uma
multa adicional] quatro deniers ao Mestre da Guilda.
Se ele negar qualquer
irregularidade, mas for considerado culpado, ele também paga quatro deniers ao
Mestre da Guilda.
19 – O Mestre da
Guilda só poderá cobrar uma multa por desavença. Se aquele que tem que pagar a
multa é tão furioso e tão fora de si, que se recusa a obedecer à ordem do
Mestre ou a pagar sua multa, o Mestre pode retirá-lo do Ofício.
20 – Se alguém pertencente
a qualquer dos ofícios acima mencionados, tenha sido excluído por ordem do
Mestre da Guilda, mas continua a trabalhar além da data de exclusão, o Mestre
pode tirar suas ferramentas até que ele tenha pago a multa.
E se ele resistir com
força, o Mestre da Guilda deve informar ao Reitor de Paris, que deve acabar com
sua violência.
21 – Os Maçons e
Plasterers devem ter o dever de pagar os impostos e outras taxas que todos os
outros cidadãos de Paris devem ao rei.
22 – Os Mortarers
foram dispensados do dever das taxas, desde o tempo de Charles Martel (9), como
os homens sábios ouviram dizer de pai para filho.
23 – O Mestre da
Guilda nomeado está isento do dever de taxas, como recompensa pelos serviços
que ele toma como Mestre da Guilda.
24 – Também estão
isentos de taxas aqueles que têm mais de sessenta anos de idade, e aquele cuja
mulher está na cama por tanto tempo quanto ela está lá, desde que informem o
supervisor do guarda nomeado pelo Rei.
NOTAS
1 – Oyez … expressão
usada no tempo medieval como um chamado para o silêncio e atenção,
especialmente quando uma declaração importante estava prestes a ser lida em voz
alta. Deve-se notar que a maioria das pessoas afectadas pelo Livro dos Ofícios
eram incapazes de ler e escrever.
2 – Plasters –
Artífice que trabalha com gesso. Mortarer – Artífice que tem a cargo a
confecção de argamassa para os maçons.
3 – Nos tempos
medievais, era uma regra que no momento da assinatura de um contrato de
aprendizagem, o Mestre receberia uma taxa (o preço do serviço) para cobrir os
custos iniciais do aprendiz; Ele teria então que o considerar como seu filho, e
garantindo para ele, hospedagem, abrigo e roupas. O aprendiz não era pago pelo
seu trabalho.
4 – No antigo tempo
francês: 1 livre (libra) = 20 sous (centavos) = 240 deniers. Em 1360, o livre
(libra) tornou-se: “franc”.
5 – St. Blaise –
Santo padroeiro dos construtores pedreiros.
6 – Palácio Lodge –
Quarto ou câmara em um palácio. Outros significados na língua antiga: abrigo,
tenda, cabana ou casa pequena; Uma loja também poderia ser uma área de terreno
onde um monumento ou um edifício foi construído.
7 – Grand Châtelet –
Fortaleza real localizada no centro de Paris; A sede da cidade para o pessoal
da justiça e da polícia.
8 – Na época de
Étienne Boileau, os ofícios eram geralmente divididos em três classes
distintas: Aprendizes (aprendizagem de cinco a oito anos), Artífice (que tinham
terminado a sua formação, mas não tinham meios para criar o seu próprio
trabalho) e os Mestres. Então vieram os ajudantes e empregados.
9 – Charles Martel
(686 – 741) foi um franco estadista e líder militar que, como Duke e príncipe
dos francos e prefeito do palácio, governou o reino dos Francos de 718 até sua
morte.
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