Giovanni
Pico della Mirandola
Giovanni
Pico della Mirandola (Mirandola, 24 de Fevereiro de 1463 — Florença, 17 de Novembro
de 1494) foi um erudito, filósofo neoplatónico e humanista do Renascimento
italiano.
Vida
Giovanni,
o filho mais jovem de Gian Francesco I e Giulia Boiardo, conde e condessa de
Concordia e de Mirandola no Ducado de Modena, desde a infância impressionava
por seus dotes intelectuais que incluíam uma extraordinária memória e dons
artísticos muito desenvolvidos. Decidiu dedicar a sua vida inteiramente aos
estudos e com apenas catorze anos de idade, partiu para a Universidade de
Bolonha com o objectivo de estudar Direito Canónico e preparar-se para seguir a
carreira eclesiástica. Entretanto, insatisfeito com os estudos puramente
jurídicos, decidiu aprofundar-se em Filosofia e Teologia que despertaram-lhe a predilecção.
Giovanni
passou ainda sete anos viajando pela Itália e França, estudando em suas
principais faculdades em Ferrara, Pádua e Paris, enquanto se dedicava a
aprender os idiomas latino, grego, hebraico, árabe e sírio.
Após
adquirir, em suas viagens pela Europa, cerca de sessenta manuscritos atribuídos
ao sacerdote e escriba judeu Esdras, filho do sumo sacerdote Seraías e autor
bíblico de um dos livros históricos de mesmo nome do Antigo Testamento (cfe.
mencionado em II Reis 25:18-21), Giovanni veio a interessar-se pelo estudo da
Cabala e do Talmud, tendo a ideia de combinar esse conhecimento
místico-religioso com a filosofia.
O
seu objectivo principal era conciliar religião e filosofia. Assim como o seu
mestre Marcílio Ficino, Giovanni baseava as suas concepções principalmente em
Platão, em oposição a Aristóteles. Todavia Giovanni era em essência um eclético
e em muitos aspectos, ele representava uma reacção contra os exageros do
Humanismo. De acordo com ele, deveríamos estudar as fontes hebraicas e
talmúdicas, enquanto que as melhores conquistas da escolástica deveriam ser
preservadas. O seu Heptaplus, uma exposição místico-alegórica da criação do
mundo de acordo com os sete sentidos bíblicos, segue essa ideia; ao mesmo período
pertence De ente et uno, com explanações de várias passagens dos livros
mosaicos, platónicos e aristotélicos.
Já
em Roma, no ano de 1486, Giovanni com apenas 23 anos de idade, publica as suas polémicas
900 teses intituladas Conclusiones philosophicae, cabalisticae et theologicae,
onde ele acreditava ter desvelado as bases de todo o conhecimento da
humanidade, combinando elementos do neoplatonismo, hermetismo e cabalismo, além
de versar sobre lógica, matemática, física. Ele se oferece para pagar as despesas
de qualquer um que estivesse disposto a vir até Roma e enfrentá-lo em uma
discussão pública sobre as teses. Neste ano publica o seu trabalho mais
conhecido, De hominis dignitate oratio (Discurso sobre a Dignidade do Homem),
que serve como uma introdução às 900 teses.
Entretanto,
das 900 teses, treze foram consideradas heréticas pela Igreja Católica e ele é
proibido de ir adiante com as discussões públicas. Uma comissão de inquérito da
igreja convida Giovanni para retratar-se, o que ele efectivamente faz. Giovanni
tenta ainda defender as suas treze teses com o opúsculo Apologia Ioannis Pici
Mirandolani, concordiae comitis, mas não obtém sucesso. Contrafeito com a
condenação, decide viajar novamente, visitando a França e em seguida retornando
à Florença.
Ao
final de sua vida, destrói seus trabalhos poéticos e torna-se um defensor do
Cristianismo contra os judeus, muçulmanos e astrólogos. Morre jovem em 1494,
aos 31 anos, após sucumbir a uma febre, no dia em que Carlos VIII da França
entrou em Florença, após expulsar Piero de Médici. Giovanni é considerado o
primeiro erudito cristão a mesclar elementos da doutrina cabalística e teologia
cristã.
Seu
sobrinho, o também filósofo e erudito Giovanni Francesco Pico della Mirandola,
escreveu uma detalhada biografia de Giovanni em 1496, chamada Ioannis Pici
Mirandulae Vita.
Filosofia
Na
Oratio, Giovanni justifica a importância da busca humana pelo conhecimento numa
perspectiva neoplatônica. Ele afirma que Deus, tendo criado todas as criaturas,
foi tomado pelo desejo de gerar uma outra criatura, um ser consciente que
pudesse apreciar a criação, mas não havia nenhum lugar disponível na cadeia dos
seres, desde os vermes até os anjos. Então Deus criou o homem, que ao contrário
dos outros seres, não tinha um lugar específico nessa cadeia. Em lugar disso, o
homem era capaz de aprender sobre si mesmo e sobre a natureza, além de poder
emular qualquer outra criatura existente. Desta forma, segundo Giovanni, quando
o homem filosofa, ele ascende a uma condição angélica e comunga com a
Divindade, entretanto, quando ele falha em utilizar o seu intelecto, pode
descer à categoria dos vegetais mais primitivos. Giovanni, deste modo, afirma
que os filósofos estão entre as criaturas mais dignificadas da criação.
A
ideia de que o homem pode ascender na cadeia dos seres pelo exercício de suas
capacidades intelectuais foi uma profunda garantia de dignidade da existência
humana na vida terrestre. A raiz da dignidade reside na sua afirmação que
somente os seres humanos podem mudar a si mesmos pelo seu livre-arbítrio. Ele
observou na história humana que filosofias e instituições estão sempre
evoluindo, fazendo da capacidade de auto-transformação do homem a única
constante.
Em
conjunto com sua crença que toda a criação constitui um reflexo simbólico da
Divindade, a filosofia de Giovanni teve uma profunda influência de Raimundo
Lúlio. Nas artes, ajudou a elevar o status de escritores, poetas, pintores e
escultores, como Leonardo da Vinci e Michelangelo, de um papel de meros
artesãos medievais a um ideal renascentista de artistas considerados génios que
persiste até os dias actuais.
Sem comentários:
Enviar um comentário