Luís
IX de França
Antecessor:Luís
VIII (seu pai)
Sucessor:Filipe
III (seu filho)
Regente:Branca
de Castela (1226–1234) (sua mãe)
Luís
IX (Poissy, 25 de Abril de 1214 – Tunes, 25 de Agosto de 1270), mais conhecido
como São Luís, foi o Rei da França de 1226 até sua morte e um santo da Igreja
Católica. Era filho do rei Luís VIII e da rainha Branca de Castela, que
governou o reino como regente até São Luís adquirir a maioridade. Foi o 42º rei
da França, a contar de Clóvis I, e o nono rei da dinastia capetiana a ocupar o
trono da França.
Quando
adulto, Luís enfrentou conflitos recorrentes com poderosos nobres, consolidando
a supremacia real levada a cabo por seu avô Filipe Augusto, além de ter
derrotado o rei Henrique III de Inglaterra em suas tentativas de restaurar o
Império Plantageneta. Após anexar a maior parte das antigas terras inglesas na
França, assinou um tratado com a Inglaterra colocando fim aos cem anos de
rivalidade franco-inglesa.
Foi
um rei reformador e lançou as bases da justiça real francesa, na qual o rei era
o juiz supremo a quem qualquer pessoa era capaz de apelar para buscar a emenda
de um julgamento. Ele proibiu julgamentos por provação, tentou impedir as
guerras privadas que estavam assolando o país e introduziu a presunção de
inocência no processo criminal. Era admirado por seus súbditos e por toda a
Europa como um rei extremamente justo. Chegava a ficar várias vezes na semana
sob um carvalho no Castelo de Vincennes ouvindo os apelos e pedidos de seus súbditos
de todas as classes.
Suas
acções foram inspiradas nos valores cristãos, sendo ele um homem extremamente
devoto da fé católica, punindo a blasfémia, jogos de azar, empréstimos de
interesse e prostituição, comprando relíquias de Cristo para construir a
Sainte-Chapelle e tentando converter os judeus franceses. Construiu inúmeros
hospitais, leprosários, orfanatos e escolas e era notadamente conhecido pela
sua caridade e cuidado com os pobres e doentes.
Foi
casado com a rainha Margarida da Provença, cujo casamento se celebrou em 1234 e
com ela teve onze filhos, dentre os quais o rei Filipe III de França, que o
sucedeu. Através de sua vasta prole, os descendentes de São Luís chegaram a
quase todos os tronos da Europa e América, incluídas as dinastias posteriores
que reinaram na França, Espanha, Áustria, Sacro Império Romano-Germânico,
Alemanha, Inglaterra, Escócia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Hungria, Portugal,
Bélgica, Grécia, Bulgária, Itália, Holanda, Polônia, Romênia, Rússia, México e
Brasil, sendo que todos os actuais monarcas europeus são descendentes dele.
Em
todas as épocas posteriores da história da França, marcada por conflitos,
guerras e revoluções, seu governo foi lembrado com nostalgia pelos franceses
como "o bom tempo de Meu Senhor São
Luís" ou como o "século de
ouro de São Luís", deixando uma imagem imensamente positiva aos olhos
da história e do imaginário popular francês.
Morreu
no norte da África em 25 de Agosto de 1270 e foi canonizado como santo pelo papa
Bonifácio VIII em 11 de Julho de 1297.
Infância
Luís
nasceu no castelo de Poissy, a 30 quilómetros de Paris, a 25 de Abril de 1214,
dia de procissões solenes do dia de São Marcos. Na mesma época, Filipe Augusto
venceu a célebre batalha de Bouvines, contra uma aliança do imperador
romano-germânico Otão IV com João de Inglaterra e com nobres da Flandres.
Tradicionalmente,
depois de Filipe I de França, os reis capetianos baptizavam os seus
primogénitos com o prenome do avô. Luís IX foi o quinto filho de Luís VIII de França
e Branca de Castela, sendo o seu irmão Filipe o herdeiro da coroa até à morte
deste em 1218.
A
sua infância terá sido influenciada pela figura do seu pai que, unindo o zelo
pela religião à bravura marcial que lhe valeu o cognome de "o Leão",
subjugou os cátaros do sul da França. Particularmente zelosos da sua educação,
os pais de Luís IX deram-lhe bons preceptores: Mateus II de Montmorency,
Guilherme des Barres, conde de Rochefort, e Clemente de Metz, marechal da
França, inspiraram-lhe os sentimentos de um rei cristianíssimo e filho da
Igreja.
Da
mesma forma, mais tarde Luís interessar-se-ia pela educação, particularmente a
religiosa, dos seus filhos. Ensinar-lhes-ia orações, a necessidade de assistir
à missa e de fazer penitência. Conta-se também por exemplo que às sextas-feiras
não permitia que usassem qualquer ornamento na cabeça, por ter sido o dia da
coroação de espinhos de Jesus Cristo.
Reinado
Regência de Branca de Castela
Com
a morte do seu pai em 8 de Novembro de 1226, Luís IX subiu ao trono aos 12 anos
de idade. Foi sagrado na catedral de Reims por Jacques de Bazoches, bispo de
Soissons, em 30 de Novembro do mesmo ano.
Por
testamento de Luís VIII, a mãe do jovem monarca assumiu a regência de França
com o título de baillistre, guardião da tutela do rei. Bartolomeu de Roy, o
velho camareiro da corte havia vinte anos, era o mais influente conselheiro do
reino, pelo que se disse na época que o poder passava assim «entre as mãos de uma criança, de uma mulher
e de um velho».
De
personalidade forte, Branca de Castela encarnava a glória de ser filha,
sobrinha, esposa, irmã e tia de reis. Com efeito, o seu pai foi Afonso VIII de
Castela, os reis da Inglaterra Ricardo Coração de Leão e João sem Terra eram
seus tios, Luís VIII de França seu esposo, Henrique I de Castela e Berengária
de Castela seus irmãos, Luís IX de França e Carlos I da Sicília e Nápoles seus
filhos, Sancho II de Portugal e Afonso III de Portugal seus sobrinhos através
da sua irmã Urraca e Fernando III de Leão e Castela também seu sobrinho
através da sua irmã Berengária.
Durante
a menoridade de Luís IX a rainha-mãe enfrentou as ambições da Inglaterra e as
pressões da nobreza do reino, que desejavam valer-se da pouca idade do soberano
para retomar os direitos perdidos para os monarcas do último século.
O
reino entrou em um período conturbado, com a revolta organizada por Filipe
Hurepel, tio do jovem rei e filho legitimado de Filipe Augusto, pela casa de
Dreux e pelo duque Pedro Mauclerc da Bretanha. Depois de sufocar a rebelião, a
regente concluiu a conquista do Languedoc iniciada pelo seu esposo ao
comprometer o conde Raimundo VII de Toulouse, casando a filha deste, Joana, com
o seu filho Afonso. Acabava assim a Cruzada dos Albigenses.
Maioridade e
casamento
Delicado,
louro e de olhos azuis, Luís atingiu a maioridade a 25 de Abril de 1234 mas
continuou a manter a mãe numa posição de confiança e poder. Não há uma data
precisa em que se defina a efectiva tomada do poder por Luís, os seus
contemporâneos viram o seu reinado como um período de partilha do poder com
Branca de Castela. No entanto, os historiadores costumam definir o ano da sua
maioridade como aquele em que Luís passou a governar mais tradicionalmente como
rei, relegando a mãe para um papel mais de conselheira, se bem que continuou a
ser uma poderosa força política até à sua morte em 1252.
Esta
organizou o seu casamento, realizado no dia 27 de Maio de 1234, na catedral de
Sens, pouco depois de o rei completar 20 anos. A esposa escolhida foi Margarida
da Provença, a filha mais velha de Beatriz de Saboia e do conde Raimundo
Berengário IV da Provença e de Forcalquier, e irmã de Leonor, esposa de
Henrique III da Inglaterra.
Com
esta união pretendia-se agregar este condado ao reino da França, uma vez que
Raimundo Berengário IV não tinha um herdeiro varão. Dizia-se que a graça e a
natureza haviam dotado a sua esposa de toda sorte de perfeições, e de facto foi
bem sucedida em prover a dinastia capetiana com herdeiros.
Política
interna
A
partir de 1241, Luís IX parece tomar mais responsabilidades para si no governo
do país. Fez do seu irmão Afonso conde de Poitiers a fim de obrigar a nobreza
local a lhe prestar homenagem. A rebelião de Hugo X de Lusignan permitiu-lhe
estabelecer a autoridade real em uma curta campanha, de 28 de Abril de 1242 a 7
de Abril de 1243, e o mesmo tempo aproveitou a situação de vantagem até Quercy
(aproximadamente o actual departamento de Lot) para expulsar da lá o rei
Henrique III de Inglaterra, que decidira romper a trégua de 1238.
Resolveu
antigas divergências com Jaime I de Aragão pelo Tratado de Corbeil, pelo qual o
rei francês renunciava a hipotéticos e caducos direitos sobre Aragão, em troca
da renúncia do monarca catalão-aragonês a direitos muito concretos sobre vastos
territórios no sul da França. Para selar este tratado, Luís casou a sua filha
Branca com o infante Fernando de La Cerda, príncipe herdeiro do reino de
Castela, e Jaime I de Aragão casou a sua filha Isabel com o príncipe francês, o
futuro rei Filipe III de França.
Na
administração do reino, Luís IX designou inspectores gerais, que eram considerados
funcionários públicos, criou a comissão judicial da cúria e instituiu uma
comissão de fazenda e de inspecção de contas.
Proibiu
aos juízes, oficiais e outros emissários seus enviados às províncias para ali
exercerem justiça durante algum tempo, de adquirir bens e empregar os seus
filhos. Nomeou, acima deles, juízes extraordinários para examinar a conduta dos
primeiros e rever os seus julgamentos, funcionando como justiça de apelação.
Para a pessoa do rei ficava reservado o papel de juiz supremo.
Segundo
os relatos da época, se entendia que os seus oficiais tivessem agido mal,
impunha em primeiro lugar uma severa penitência a si mesmo, como culpado pelo
excesso praticado pelos seus representantes, e em seguida ministrava-lhes
severa punição, obrigando-os a restituir o que haviam tomado do povo, se fosse
esse o caso, ou a reparar aqueles que haviam sido condenados injustamente. Pelo
contrário, quando tomava conhecimento de que haviam cumprido dignamente os seus
deveres, recompensava-os regiamente e os fazia ascender a funções mais
honrosas. Foi também o primeiro rei a proibir duelos, anteriormente tolerados e
por vezes ordenados a fim de se conhecer o direito das partes.
Zelo religioso
Este
reinado foi um período de paz e prosperidade para a França, mas também de
excepcionais zelo religioso e intolerância, com a intenção de conduzir o povo
francês à salvação da alma. Luís não negligenciava o cuidado dos pobres,
proibiu o jogo e a prostituição e punia a blasfémia. As punições estipuladas
eram tão rigorosas que o papa Clemente IV julgou ser necessário atenuá-las.
Outro
dos traços em que a religiosidade deste monarca se manifestou foi na aquisição
da coroa de espinhos e de um fragmento da cruz da crucificação de Jesus Cristo,
em 1239-1241, a Balduíno II, imperador de Constantinopla, por 135 000 libras. Para
estas relíquias mandou edificar a capela gótica de Sainte-Chapelle no coração
de Paris, que curiosamente só custou 60 000 libras para construir. Sob
este reinado foram também construídas as catedrais de Amiens, Rouen, Beauvais,
Auxerre e Saint-Germain-en-Laye.
A
compra das relíquias deve ser entendida no contexto de extremo fervor religioso
que existia na Europa do século XIII. A posse destas contribuiu muito para
reforçar a posição central do rei da França na cristandade ocidental, bem como
para aumentar a fama de Paris, na época a maior cidade da Europa Ocidental. Na
época em que as cidades e os governantes competiam pela posse de relíquias
sagradas, Luís IX conseguiu colocar algumas das mais ambicionadas na sua
capital. É possível ver este acto não só como devoção, mas também uma
declaração política: a monarquia francesa a tentar estabelecer o seu reino como
a "nova Jerusalém" dos textos bíblicos.
O
monarca francês era zeloso da sua missão de "lugar-tenente
de Deus na Terra", da qual fora investido na sua coroação em Reims. De
forma a cumprir este dever organizaria duas cruzadas e, apesar de ambas terem fracassado,
contribuíram para o seu prestígio. Os seus contemporâneos não teriam
compreendido se um rei tão poderoso e piedoso não fosse libertar a Terra Santa.
Para
financiar a sua primeira cruzada, perseguiria a comunidade judaica. No
século XIII era generalizada a aversão pelos judeus por serem considerados
culpados pela morte de Jesus pelos cristãos. Tal como os seus antecessores,
Luís tomou medidas discriminatórias e persecutórias contra esta minoria, também
com a intenção de a converter ao cristianismo:
·
Ordenou
a expulsão de todos os judeus envolvidos em actividades de usura e assim pôde
confiscar as riquezas destes para financiar os seus projectos. No entanto não
eliminou as dívidas dos cristãos: foi perdoado um terço da dívida, mas os
outros dois terços deveriam ser enviados para o tesouro real.
·
Em
1242, supostamente sob solicitação de judeus convertidos ao cristianismo, e que
afirmavam que o Talmud continha invectivas contra Cristo e a Virgem Maria,
ordenou a queima dos exemplares deste livro religioso em Paris.
·
Em
1254, ordenou a expulsão dos judeus não convertidos da França, apropriando-se
dos seus bens. No entanto, não terá sido feito um controlo muito eficaz para
fazer cumprir esta medida, pelo que muitos permaneceram nos locais em que
viviam. Alguns anos depois o rei anularia este decreto em troca de um
pagamento, em prata, da comunidade judaica ao tesouro real.
·
Em
1269, em aplicação de uma recomendação do Quarto Concílio de Latrão de 1215,
impôs a obrigatoriedade de usarem sinais vestimentares distintivos. Para os
homens a rouelle ou estrela amarela ao peito, e para as mulheres um chapéu
especial. Estes sinais permitiam diferenciá-los do resto da população e ajudar
a impedir os casamentos mistos.
Para
além da legislação contra os judeus e a usura, o rei alargou o alcance da
Inquisição na França. A área mais visada foi o sul do país, onde a heresia
cátara tinha sido mais forte. A quantidade de confiscos atingiu o ponto máximo
nos anos anteriores à Sétima Cruzada, e diminuiu aquando do seu regresso à
Europa em 1254.
Em
todos estes actos, Luís tentava cumprir o que se encarava ser o dever da
França, chamada de "a filha mais velha da Igreja"
(la fille aînée de l'Église), com uma tradição de protectora da Igreja desde os
tempos dos francos e de Carlos Magno, que fora coroado pelo papa em Roma no ano
de 800. De facto, para além dos títulos Rex Francorum ("rei dos
francos"), ou Franciae Rex ("rei da França"), que Luís IX foi o
primeiro a usar, os monarcas franceses também eram intitulados Rex Christianissimus
("rei cristianíssimo"). As relações entre a França e o papado atingiram
o seu ponto máximo nos séculos XII e XIII, e a maioria das cruzadas foram
proclamadas pelos papas em solo francês.
Sétima cruzada
Em
1244, Luís IX caiu gravemente enfermo de disenteria, a ponto de alguns terem
como certa sua morte. Foram organizadas vigílias, procissões e outros actos
religiosos pela sua convalescença, e o próprio monarca fez então um voto: caso
sobrevivesse, partiria em cruzada para libertar o Santo Sepulcro.
A
organização da cruzada durou quatro anos, durante os quais foi construído o
porto de Aigues-Mortes, sob a
iniciativa de Carlos de Anjou, irmão do rei. A cidade nunca chegaria a ser ressarcida do custo exorbitante da
infraestrutura requerida para este projecto e por isso levaria Carlos de Anjou
perante a justiça.
A
12 de junho de 1248 Luís armou-se com a oriflamme, o estandarte de guerra
capetiano, na basílica de Saint-Denis. Partiu então, acompanhado da rainha
Margarida da Provença, e dos seus irmãos Carlos de Anjou e Roberto I de Artois.
Dirigiu-se
para Lião, onde se encontrou com o papa Inocêncio IV, de quem recebeu a bênção
apostólica, e em seguida para Aigues-Mortes, onde o aguardavam as embarcações
que deveriam conduzir os cruzados ao Egipto. A 25 de Agosto de 1248, iniciou-se
a Sétima Cruzada.
As
naus tocaram inicialmente a ilha de Chipre, onde o monarca se viu obrigado a
permanecer durante o inverno devido a uma peste que arrebatou uma sexta parte
do seu exército. Estas perdas e a demora foram contudo de algum modo
compensadas pela adesão de Henrique I de Lusignan, rei de Chipre, a quem Luís
conseguiu convencer a juntar-se à expedição.
Os
cruzados retomaram a expedição a 13 de Maio de 1249, à frente de uma formidável
armada de 1800 embarcações, grandes e pequenas. Devido a tempestades, mais da
metade destas desviou-se da rota pelo que, ao passar em revista as suas tropas,
o rei encontrou apenas 700 cavaleiros, dos 2800 de que se compunha o seu
exército. A cidade portuária de Damieta (actual Dimyat) foi a primeira a ser
tomada, em 8 de Junho.
O
exército dirigiu-se então para Cairo mas sofreu ataques incessantes do emir
Fakhr el-Din. De Fevereiro a Abril de 1250, os cruzados cercaram a cidadela de
Al-Mansurah. O escorbuto e a disenteria dizimaram os soldados e forçaram o rei
a bater em retirada. Um traidor lançou então o boato de que o monarca francês
se rendera. A maior parte dos soldados rendeu-se e foi aprisionada, tal como
Luís IX. Roberto I de Artois morrera no decurso das batalhas por esta cidade.
Durante
o seu cativeiro, o rei encarregou Margarida da Provença de conduzir a cruzada.
Neste período conta-se de os emires do Egipto o quererem eleger como sultão e
do nascimento de um dos filhos em Damieta, durante a negociação com os seus algozes.
Em
Maio os cruzados foram libertados sob um avultado resgate pago pela Ordem do
Templo.
Luís
decidiu então prolongar a sua estadia no que restava dos estados latinos do
Oriente. Reenviou os irmãos Afonso III de Poitiers e Carlos de Anjou para a
França para apoiar a mãe Branca de Castela, só no governo do reino. De 1250 a 1253,
consolidou as fortalezas de São João de Acre, Cesareia Marítima, Jafa e Sídon e
conduziu a diplomacia dos cristãos com os poderes islâmicos da Síria e do
Egipto.
Na
primavera de 1253, Luís IX tomou conhecimento do falecimento da rainha mãe
regente, pelo que foi obrigado a voltar ao reino, deixando uma presença
significativa de forças na cidade de Acre para a sua defesa contra ataques dos
muçulmanos. Os cruzados embarcaram em Tiro a 25 de Abril (festa de São Marcos)
de 1254 e chegaram à França a 19 de Julho do mesmo ano. Em 5 de Setembro,
encontrava-se no castelo de Vincennes e no dia seguinte entrava solenemente em
Paris. O seu regresso foi acolhido com manifestações de afeição do papa
Clemente IV e de Henrique III da Inglaterra.
Relações com
os mongóis
Luís
teve várias trocas epistolares com os governantes mongóis da época e organizou
o envio de embaixadores junto a estes. Os contactos iniciaram-se em 1248, com
enviados mongóis apresentando uma carta de Eljigidei, o goverador mongol da
Arménia e da Pérsia, propondo uma aliança militar: quando o rei francês
desembarcou em Chipre em preparação para a Sétima Cruzada, encontrou-se em
Nicósia com dois nestorianos de Mossul chamados David e Marco, enviados de
Eljigidei. Estes comunicaram uma proposta de formar uma aliança contra o
Império Aiúbida e o Califado Abássida.
Em
resposta, Luís enviou André de Longjumeau, um padre dominicano, como emissário
a Guyuk Khan na Mongólia. Mas Guyuk morreu antes da chegada deste à sua corte e
a embaixada foi dispensada pela sua viúva, que lhes deu um presente e uma carta
para o rei cruzado.
Eljigidei
planeava um ataque aos muçulmanos de Bagdade em 1248. Tencionava que esta
ofensiva fosse realizada em aliança com Luís, juntamente com a Sétima Cruzada.
Mas com a morte prematura do Khan, o governador adiou as operações até depois
do interregno mongol, e o bem sucedido cerco de Bagdade só aconteceria em 1258.
Em 1253, Luís enviou o franciscano Guilherme de Rubruck para a corte mongol.
Mongke Khan deu-lhe uma carta em 1254, pedindo a submissão do rei francês.
A
colaboração militar ocorreria em 1259-1260, quando os cavaleiros francos de
Boemundo VI, príncipe de Antioquia, e os do seu sogro Hetoum I do Reino Arménio
da Cilícia, se aliaram com os mongóis liderados por Hulagu Khan. Juntos
conquistaram a Síria muçulmana, tomando a cidade de Alepo e depois Damasco. Os
contactos entre as duas potências ainda se desenvolveriam no reinado de Filipe
IV de França, levando a uma cooperação militar entre os europeus e os mongóis
contra os mamelucos.
Primus inter
pares
O
século XIII ficou para a história da França como "o século de ouro de São
Luís". A França, centro das artes e da vida intelectual graças, entre
outras, à Sorbonne, atingia o seu apogeu também aos níveis económico e
político. Luís IX comandou o maior exército e governou o mais poderoso reino da
Europa.
O mecenato que deu às artes impulsionou inovações
na arte e na arquitectura gótica. O estilo da sua corte espalhou-se
pela Europa pela compra de obras dos mestres parisienses e pelo casamento das
filhas e outros membros da casa real com estrangeiros, introduzindo assim os
modelos parisienses no exterior. A Sainte-Chapelle de Paris, a capela real,
seria também copiada por alguns dos seus descendentes. E é muito provável que
tenha ordenado a produção da Bíblia Morgan, uma obra-prima da iluminura
medieval.
A
reputação de santidade e de justiça do soberano estava já estabelecida durante
a sua vida, pelo que era regularmente escolhido como árbitro das desavenças
entre os grandes do velho continente. O prestígio e o respeito na Europa por
Luís IX seria mais devido a estas qualidades que pelo poderio militar. Para os
seus contemporâneos, foi considerado o melhor exemplo de um príncipe cristão,
primus inter pares (o primeiro entre iguais). A 4 de Dezembro de 1259, em
Paris, assinou o Tratado de Albeville com Henrique III de Inglaterra, acabando
assim a primeira fase da Guerra dos Cem Anos entre os dois países.
Um
decreto de 1263 assegurou finanças fortes. Luís instalou uma comissão
financeira encarregada do controlo das contas reais, reforçando a estrutura
criada em 1190 pelo seu avô Filipe Augusto, um esboço da "Corte das
Contas", futuro parlamento da França. O prevoste de Paris, Etienne
Boileau, organizou e codificou em 1268 os ofícios da capital (redacção do Livro
dos Ofícios).
Oitava cruzada
e morte
Devido
aos ataques continuados aos estados cruzados do Levante, Luís decidiu lançar
uma Oitava Cruzada, para a qual se apresentaram os seus filhos e Eduardo I da
Inglaterra, além de numerosos príncipes e senhores. Partiram em direção a Túnis
a 4 de Julho de 1270. Mais uma vez no mar, outra grande tempestade dispersou as
embarcações e impediu muitas outras de partir.
Luís
esperava converter o sultão de Túnis ao cristianismo para, aliados, atacarem o
sultão do Egipto. No entanto, depois da rápida conquista de Cartago pelos
cruzados, este não permitiu sequer o desembarque da armada europeia. Iniciou-se
um confronto, com os franceses assediando vários pontos nevrálgicos dos
inimigos e a própria capital. Como esta resistisse, decidiram dominá-la
cortando os víveres.
Mas
as doenças da cidade atingiram também o exército francês. Luís IX viu morrer
seu filho João Tristão, nascido durante o seu cativeiro no Egipto, e pouco
depois morreria ele mesmo, a 25 de Agosto de 1270, precisamente 22 anos após a
sua partida para a Sétima Cruzada. Tradicionalmente tem sido aceite que fora
vitimado pela peste bubónica, mas estudos recentes indicam a sua morte por
disenteria.
O
corpo de Luís IX foi colocado sobre um leito de cinzas, em sinal de humildade,
e os braços em cruz, à imagem de Jesus Cristo. Este falecimento marcaria o fim
da cruzada, a que se seguiriam mais mortes na família real. Isabel de Aragão,
esposa de Filipe III de França, morreria na Sicília durante a viagem de
regresso à França. Afonso III de Poitiers e a sua esposa Joana de Toulouse
morreriam no intervalo de três dias, na Itália.
O
cadáver do rei foi levado para França pelo seu filho e sucessor Filipe, com
excepção das entranhas: algumas destas foram enterradas na actual Tunísia, onde
ainda é possível hoje em dia visitar um túmulo de São Luís; outras foram
destinadas à abadia de Monreale, na Sicília, a pedido do seu irmão Carlos I da
Sicília.
O
resto do seu corpo, depois de uma estadia na Basílica de São Domingos em
Bolonha e de uma paragem em Lião, foi transladado para a necrópole real da
abadia de Saint-Denis. O seu túmulo na França era um magnífico monumento de
bronze dourado concebido no final do século XIV. Foi fundido durante as guerras
francesas de religião, quando o corpo do rei santo desapareceu. Só foi
recuperado um dedo, mantido actualmente em Saint-Denis.
As
relíquias conservadas na Sicília foram ainda transportadas para a Tunísia para
a consagração da catedral São Luís de Cartago no final do século XIX e, por
fim, aquando da independência deste país, devolvidas à França, onde foram
depositadas na Sainte-Chapelle.
Legado
O
culto deste santo foi juridicamente examinado e aprovado pelo papa Bonifácio
VIII, que o canonizou em 1297 com o nome de São Luís da França.
Luís
IX foi frequentemente considerado o modelo do monarca cristão ideal. Devido à
aura de santidade ligada à memória de Luís IX, muitos mais reis da França se
chamariam Luís, especialmente na dinastia de Bourbon (Luís XIII a Luís XVIII).
Diversas
instituições e locais por todo o mundo receberam o nome de São Luís ou
Saint-Louis, frequentemente devido ao período do império colonial francês, como
por exemplo:
A
Ordem Real e Militar de São Luís (l'Ordre Royal et Militaire de Saint-Louis),
ordem de cavalaria fundada em 5 de abril de 1696 por Luís XIV de França, a
Missão de São Luís Rei da França (Mission San Luis Rey de Francia), fundada em
Oceanside (Califórnia, Estados Unidos) em 13 de junho de 1798, e em 1842 também
a Congregação das Irmãs de São Luís, uma ordem religiosa católica.
As
cidades de São Luís do Maranhão no Brasil, Saint Louis no Missouri, Estados
Unidos, Saint-Louis do Senegal, Saint-Louis na Alsácia, França.
Diversos
edifícios de culto religioso católico: capelas, igrejas, basílicas e catedrais.
Ironicamente,
na tradição da tunisina Luís não teria morrido em 1270. Ter-se-ia apaixonado
por uma princesa berber, convertido ao Islão sob o nome de Abou Said ibn Khalef
ibn Yahia Ettamini el Beji, sendo Sidi Bou Said a forma reduzida que deu origem
à cidade costeira deste país com o mesmo nome. Ao morrer, no final do século
XIII, teria sido enterrado como um santo islâmico em Djebel-Marsa.
Interpretação
política do reinado
No
entanto, vários historiadores e analistas têm uma outra interpretação da vida
de Luís IX. O arquitecto Eugène Viollet-le-Duc por exemplo, avançou a hipótese
de que o rei fora um astuto político que soube se servir habilidosamente da
religião para consolidar o seu poder e aumentar o poder do seu reino.
Na
época de Luís IX, os grandes senhores feudais faziam uma concorrência feroz ao
poder dos reis da França. Estavam constantemente em conflito e por vezes
conspiravam contra a própria pessoa do rei.
Luís
soube, ao se mostrar como um santo, usar a fé e a ambição dos seus barões para
os incitar a participar nas duas cruzadas. Poucos dos grandes senhores que
nelas participaram voltaram à França, e Luís pôde, sem grande oposição, tomar
as suas possessões. Os que sobreviveram ficaram arruinados pela expedição, e
por isso mais dependentes do monarca para a sua segurança, logo mais dóceis.
As
medidas contra os pecados, a perseguição dos judeus e as construções de
edifícios religiosos demonstram talvez um fervor religioso, mas também um
refinado espírito político. Ao ganhar os favores da Igreja Católica, também
ganhava o favor dos súbditos mais pios do seu tempo. Conseguia assim um melhor
controlo sobre o reino, e uma maior legitimidade.
A
modernização da administração do estado e o reforço que deu à justiça real
seriam as últimas conquistas por que lutou, a fim de aumentar os seus poderes e
os dos seus descendentes no trono dos capetianos. A sua Corte das Contas foi o
instrumento fundamental desta construção política.
Assim
Luís conseguiu firmar os alicerces do que começava finalmente a ser o estado-nação
da França, unido sob um rei de direito divino. E conseguiu-o por uma subtil
política, muito mais eficaz do que conflitos com os seus vassalos e tentativas
de os subjugar pela força.
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